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Qui, Abr

'O jovem digital não tem paciência para aula expositiva’, diz Maria Helena Guimarães

Notícias EAD

Para secretária-executiva do Ministério da Educação, reforma no ensino médio atrairá mais alunos

Nesta entrevista, a educadora deixa claro que o governo deposita suas fichas no projeto de lei 6.840/2013, que tramita na Câmara dos Deputados. O texto prevê a divisão do currículo nas áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas, além de jornada de sete horas e possibilidade de formação profissional. A secretária-executiva informa que o governo estuda elaborar um projeto para estimular escolas desse segmento a adotar o período integral, com nova proposta pedagógica.

O que pode ser feito para segurar o adolescente na escola do ensino médio e atrair quem já abandonou os estudos?
É preciso fazer uma mudança estrutural na organização de todo o ensino médio. O projeto de lei que tramita na Câmara há três anos prevê a reformulação do segmento e está aglutinando ideias de uma série de pesquisadores e secretários de educação. Além disso, o ministro Mendonça Filho está trabalhando para propor um substitutivo dentro desse PL. Trata-se de uma mudança na arquitetura do sistema, para que os alunos possam ter uma base comum, de um ano a um ano e meio, e uma segunda parte, de aprofundamento em áreas acadêmicas ou de articulação com o ensino técnico profissional. Seria uma forma de estimular alunos a ter mais compromisso e vontade de aprender, com a possibilidade de itinerários formativos de acordo com suas aspirações. O mais importante é que o jovem, com a nossa proposta, terá a possibilidade de um duplo diploma: de ensino técnico e de ensino médio. Hoje, ele tem que cursar o ensino médio para depois fazer um técnico, ou então cursar o médio de manhã e o técnico à tarde.

Qual a previsão para ter essas reformas aprovadas?
O ministro está trabalhando ativamente para que, até o final do ano, a gente tenha essa reforma aprovada, para ser implantada, no máximo, em 2018. Também estamos estudando a criação de um projeto de escola de ensino médio integral com um novo modelo de gestão pedagógica. Essas escolas terão um apoio a mais do ministério para que os alunos permaneçam lá o dia inteiro e possam integrar o currículo do ensino médio com seu projeto de vida e com uma estratégia de ensino profissionalizante, que pode ser de curta duração ou articulada com o ensino técnico. É um projeto piloto que vai começar com algumas escolas e já seria um ensaio para a reforma do ensino médio. A formatação está nas primeiras discussões, mas nossa ideia é que esse projeto já comece no ano que vem.

E o que pode ser feito para mudar a dinâmica das aulas, de modo que fiquem mais atraentes para o aluno?
Só a reforma da estrutura do sistema não é suficiente. É preciso renovar as práticas pedagógicas em sala de aula, de modo que os professores trabalhem tanto conhecimentos gerais quanto habilidades socioemocionais. Os alunos precisam ter acesso às novas tecnologias, porque a escola de ensino médio se tornou monótona, desagradável. Não faz sentido para o jovem digital, conectado o tempo todo. Ele não tem paciência para uma aula expositiva de um conteúdo que muitas vezes não faz sentido para ele.

O desafio de manter o adolescente na escola se agrava em tempos de crise, quando muitos saem da escola para trabalhar?
A maioria dos alunos que largam o estudo saem porque não veem sentido na escola. Há várias pesquisas que mostram isso. Para os alunos se sentirem estimulados, estamos apresentando às secretarias a possibilidade de parcerias com o setor privado, para que os estudantes, já a partir do 2° ano do ensino médio, tenham a possibilidade de fazer um tipo de estágio remunerado junto com o estudo profissionalizante, e que as empresas parceiras possam apoiar.

Muitos dos pensadores que estarão presentes no Educação 360 defendem uma revolução na educação básica, transformando o aluno em protagonista do ensino e os professores como condutores desse processo. Quais as dificuldades para fazer isso numa rede gigantesca como a brasileira?
A dificuldade é a formação do professor. Não há nada mais importante para a qualidade da educação do que a formação inicial e continuada dos professores e viabilizar uma carreira atraente para fixar os melhores profissionais. Muitas vezes, os bons professores abandonam a escola porque a carreira não é tão boa. A formação dos docentes é relevante para mudar a cultura da escola. Hoje, o que prevalece nas instituições formadoras de professores e nas próprias redes públicas é a cultura do professor que ensina e do aluno que fica quieto ouvindo, muitas vezes sem prestar a mínima atenção. É preciso transformar a sala de aula num ambiente interativo e mais vivo para produção do conhecimento, onde o aluno possa, por exemplo, acessar antes o conteúdo que será abordado, para que a aula se torne um ambiente de discussão, de pesquisa e de trabalho colaborativo, que favoreça a formação de lideranças, de respeitar o outro e de conhecer melhor o nosso mundo. É uma tarefa de formiguinha, mas temos que insistir nisso.

O que o governo pretende fazer para melhorar a formação do professor?
Criamos um grupo de trabalho de formação de professores para integrar vários programas. Quando cheguei, em março deste ano, encontrei mais de 20 programas de formação, sendo que um não conversa com o outro. Só a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) tem três programas diferentes de formação de professores: Pibid (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), Parfor (Plano Nacional de Formação de Professores) e a Universidade Aberta do Brasil. Além disso, cada secretaria do MEC tem suas várias iniciativas, sendo que uma não está articulada com a outra. Então, o ministro criou um grupo de trabalho, do qual sou coordenadora, para apresentar uma proposta de reformulação até outubro. Nossa proposta deve articular os programas existentes, com duas grandes linhas: uma de formação inicial e outra de formação continuada, ambas vão se basear na Base Nacional Curricular Comum.

Qual foi o motivo para adiar a conclusão da Base Nacional Curricular Comum? O que ainda está sendo discutido e qual a previsão de sua implantação?
A versão dois da BNCC está em discussão, nós estamos fechando até o fim desta semana uma nova proposta introdutória que vai organizar a versão três. Tomamos como ponto de partida a produção que foi feita nos últimos dois anos, especialmente a versão dois e todas as contribuições que chegaram de professores, dos especialistas, do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Eu presido um comitê gestor da BNCC, e nós pretendemos, até novembro, encaminhar ao Conselho Nacional de Educação (CNE) a nova versão da BNCC de educação infantil e do ensino fundamental. Depois que encaminharmos para eles, a base deverá ser discutida internamente. A implantação só começa, eu acredito, em 2018. O ensino médio fica para o ano que vem, porque vamos aguardar a aprovação da reforma. Antes disso, vamos discutir apenas a base do ensino médio de língua portuguesa e matemática porque essas disciplinas não dependem tanto da reforma quanto as outras.

Temos diversas metas do Plano Nacional da Educação (PNE) a cumprir, mas com a redução de verba e de investimento, quais serão as principais dificuldades?
Olha, as principais dificuldades não são só de financiamento das metas. Há dificuldades relacionadas à própria gestão dos sistemas estaduais e municipais. Uma das metas é universalizar o acesso à educação pré-escolar, de crianças de 4 a 5 anos até o início de 2018. Outra meta do PNE é a aprovação e o início da implantação da Base Curricular Nacional Comum até o início de 2018. Também queremos garantir uma nova proposta de formação inicial e continuada. As metas são mais fáceis de serem cumpridas do ponto de vista quantitativo do que do qualitativo. Por exemplo, melhorar a qualidade da educação, atingir as metas previstas, isso o monitoramento tem mostrado que é muito difícil. Acredito que até o próximo ano conseguiremos atingir a meta de qualidade prevista para anos iniciais do ensino fundamental, até o 5º ano, mas está muito difícil melhorar a qualidade do anos finais do ensino fundamental e, principalmente, do ensino médio, nosso maior desafio.

Temos um grande déficit de quantidade e de qualidade de creches. Como resolver?
Estamos discutindo esse tema com a equipe de educação infantil, principalmente com a Undime. Também temos uma proposta de aumentarmos, no ano que vem, os recursos do Brasil Carinhoso, que é um percentual do orçamento do MEC destinado para creches de mães do Bolsa Família. O programa é objeto de uma MP em discussão no Senado e também estamos conversando sobre ele com o Ministério do Desenvolvimento Social. Alguns municípios já avançaram nesse assunto. São Paulo tem mais de 40% das crianças de 0 a 3 anos com atendimento em creche. A média nacional está bem abaixo disso, em torno de 23 a 25%. É preciso buscar alternativas. Por exemplo, se não for possível ampliar o atendimento em creches públicas e estatais, vamos pensar em alternativas de parcerias, como foi feito na cidade de São Paulo, onde a expansão das creches ocorreu por meio de parcerias com as ONGs.

O Enem está fazendo 18 anos, o exame provocou uma profunda mudança nas escolas, principalmente no ensino médio. Como a senhora avalia a influência do Enem no ensino?
Nos últimos anos, o Enem acabou se tornando o currículo do ensino médio. Ou seja, o ensino médio hoje virou cursinho preparatório para o Enem, e isso não tem sentido. Para o aluno que está com algum atraso escolar, não faz muita diferença: ele prefere largar a escola, fazer o exame, obter o certificado e pronto. Então, é óbvio que, após a reforma do ensino médio e a discussão da Base, teremos que discutir a adequação do Enem à proposta da Base Curricular. É isso que se espera.

Fonte: O Globo
Publicado em: 08/09/2016