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Qui, Abr

“A atual loucura digital é um veneno para as crianças”. Entrevista com Michel Desmurget

Notícias EAD

Já faz anos que assistimos um fenômeno curioso: os estudos científicos sérios são considerados alarmistas e damos crédito aos estudos reles. Aconteceu com a mudança climática, ninguém a levou a sério, e está acontecendo com o efeito que o uso das telas produz.

Já faz anos que assistimos um fenômeno curioso: os estudos científicos sérios são considerados alarmistas e damos crédito aos estudos reles. Aconteceu com a mudança climática, ninguém a levou a sério, e está acontecendo com o efeito que o uso das telas produz.

Michel Desmurget, diretor de pesquisa no Instituto Nacional da Saúde e Pesquisa Médica da França, baseando-se em dados de pesquisas fora de qualquer suspeita nos alerta: “Quanto mais os países investem em tecnologias da informação e comunicação (TICs) aplicadas à educação, mais baixo o rendimento dos estudantes. Quanto mais tempo os alunos passam com estas tecnologias, mais pioram suas qualificações. É o que explica em La fábrica de cretinos digitales (Península).

A entrevista é de Ima Sanchís, publicada por La Vanguardia, 19-09-2020. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.
A juventude atual é a mais limitada de todos os tempos?

Durante décadas, as pontuações nos testes de inteligência aumentaram de uma geração para outra. Isto se chama efeito Flynn.

E isto já não acontece?

Hoje em dia, em muitos países desenvolvidos, este efeito se inverte e os millennials são a primeira geração a ter um QI médio menor que a geração anterior, e as telas possuem uma responsabilidade incontestável.

E a consabida superioridade do nativo digital?

Pura fantasia! Toda a pesquisa destaca a baixa capacidade de nossas crianças para processar, compreender e sintetizar a informação presente na rede. A atual loucura digital é veneno.

Neurologicamente falando?

Tudo o que fazemos muda a estrutura e função de nosso cérebro. Em resposta ao uso das telas, certas regiões relacionadas ao processamento de sinais visuais se espessam. Inversamente, as redes linguísticas experimentam atrasos no amadurecimento.

Há estudos que afirmam que os videogames melhoram o rendimento acadêmico.

Estes estudos, publicados em revistas acadêmicas de terceira classe, baseiam-se unanimemente em valores atípicos e/ou metodologias defeituosas. Apesar disto, recebem uma cobertura midiática incrível. Aí está o problema.

Qual é a realidade da exposição de crianças e adolescentes às telas?

O tempo de recreação diante da tela (fora da escola e as tarefas) para novas gerações é extravagante.

Extravagante?

São quase 3 horas diárias para as crianças de 2 anos, quase 5 horas para os escolares de 8 anos e mais de 7 horas para os adolescentes. Isto significa que entre os 2 e os 18 anos, que é o período mais crucial de desenvolvimento, dedicam a estas práticas o equivalente a 30 anos escolares.

Acredita que há uma vontade deliberada de idiotizar as massas?

A lógica é puramente econômica. Não importa o impacto na saúde, sempre que entre dinheiro. Tabaco, remédios, alimentação, pesticidas, aquecimento global, a lista é longa.

Eu o percebo irritado.

O pior é ver o desenvolvimento de nossos filhos devastado desta maneira. Bem, não o de todos. Os altos executivos das indústrias digitais têm especial cuidado em proteger seus filhos dos produtos que nos vendem.

Que feio.

A orgia digital atual está arrasando as bases mais essenciais de nossa humanidade: a linguagem, a concentração, a capacidade de memória, a criatividade, a cultura (no sentido de um corpo de conhecimento que permite compreender e pensar o mundo). Você tem razão, isto me irrita profundamente.

A tendência é substituir os professores por aulas digitais.

O software de aprendizagem é melhor do que nada, mas é infinitamente pior que um professor competente.

Os professores saem mais caros.

A tecnologia digital parece ser uma necessidade orçamentária, mas seria desejável que isso fosse dito com clareza, sem tentar fazer passar esta renúncia educacional como progresso educacional.

A inteligência é a primeira vítima?

Quando você coloca telas (tablets, computadores, smartphones, etc.) nas mãos de uma criança ou adolescente, quase sempre são as recreações mais factíveis que ganham a guerra dos usos.

E?

Estes conteúdos têm efeitos deletérios claramente identificados com o desenvolvimento somático (por exemplo, obesidade, maturação cardiovascular), emocional (ansiedade, agressividade) e cognitivo (linguagem, concentração). Vários estudos comprovam, além disso, que o QI diminui quando o tempo de uso das telas recreativas aumenta.

O melhor para o desenvolvimento de uma criança?

Não são telas, mas pessoas e ação. Precisam de palavras, sorrisos, abraços. Precisam se entediar, sonhar, brincar, imaginar, correr, tocar, manipular, que sejam lidos contos para elas. Olhar o mundo que os cerca, interagir. No coração destas necessidades, a tela é uma corrente de gelo que congela o desenvolvimento.

Como serão esses nativos digitais quando forem adultos?

Privados de linguagem, concentração, cultura, das ferramentas fundamentais do pensamento. Vão se tornar uma casta subordinada de artistas entusiasmados, estupefatos com o entretenimento tonto e felizes com o seu destino.

Seu conselho para pais e educadores?

A idade importa. Antes dos 6 anos, o ideal é zero telas. Quanto mais cedo as crianças são expostas, mais severos são os impactos. A partir dos 6 anos, se os conteúdos são os adequados e caso se respeite o sono, meia hora por dia, sem influência negativa detectável.

E qual é a sua esperança?

É como o aquecimento global: “está começando a se mostrar”. Nossos filhos têm problemas de atenção, linguagem, memorização, agressividade. Espero que a tomada de consciência estabeleça as bases de uma política de prevenção verdadeiramente protetora.

Fonte: IHU