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23
Ter, Abr

Com mais de meio milhão de evadidos, permanecer no Ensino Superior durante a pandemia é um desafio para brasileiros

Notícias EAD

As crises econômica e sanitária causadas pela pandemia do coronavírus não pouparam a área da educação. Devido à orientação de distanciamento social por parte de autoridades da saúde como forma de reduzir o contágio do vírus, as universidades precisaram reorganizar o formato de ensino.

As crises econômica e sanitária causadas pela pandemia do coronavírus não pouparam a área da educação. Devido à orientação de distanciamento social por parte de autoridades da saúde como forma de reduzir o contágio do vírus, as universidades precisaram reorganizar o formato de ensino.

No setor privado, as Instituições de Ensino Superior (IES) foram ágeis para recorrer às tecnologias e manter as aulas dos cursos de graduação. “Em pouco mais de um mês, segundo os levantamentos que a ABMES realizou em parceria com a Educa Insights, 76% das IES haviam se adequado para preservar o calendário acadêmico. As IES têm investido muito na transformação digital ao longo dos anos”, compartilha Sólon Caldas, diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES).

Veja também: Ensino durante a pandemia: entenda como funcionam as aulas a distância nos cursos de graduação presenciais
Por outro lado, nem todos os alunos conseguiram se adaptar à nova realidade. Segundo um levantamento feito pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) em relação ao primeiro semestre de 2020, 608 mil alunos trancaram o curso no ensino superior privado, 83 mil estudantes a mais do que no primeiro semestre de 2019. A porcentagem de inadimplência também registrou um aumento de 30%, em relação ao mesmo período do ano passado.

Por trás dos números

De acordo com a professora da Universidade de Brasília (UnB) e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Catarina Santos, “pensar o ensino de forma remota, isso, por si só, já vai definir que a gente vai ter uma grande quantidade de evasão. A pandemia traz um conjunto de elementos impossibilitadores dos estudantes permanecerem que não só o acesso à tecnologia, embora isso seja um elemento. A gente precisa entender que no processo de ensino-aprendizagem, o computador não vira sala de aula. Tem o próprio processo de confinamento e também tem um elemento que é a cultura, porque a gente sabe que os processos de evasão em educação a distância são altos e aí você começa a fazer um ensino remoto que não é nem educação a distância mas tá sendo feito a distância com pessoas que não escolheram fazer isso, que não têm cultura de fazer isso, com professores que não estavam fazendo”, explica.

Para Iago Campos, atual presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), o aumento da evasão nas IES privadas, principalmente, está relacionado com a queda da renda das pessoas, ocasionada pelo crescimento do desemprego. "Muitas pessoas que estudam nas universidades particulares trabalham e pagam suas mensalidades com esse recurso. Então você tem perda de emprego, sobretudo, os informais, pessoal que trabalha na rua, que teve que ficar em casa e no início da pandemia. Não houve flexibilização das universidades em relação aos valores e aí muita gente não conseguiu pagar e teve que sair. Aí você soma a esse problema da renda e do pagamento da mensalidade, ao acesso à tecnologia também e até materiais de acompanhamento dessas aulas virtualmente. Tem gente que não tem computador, tem internet ruim, tem um ambiente doméstico muito complicado, então tudo isso leva a desistência, o que é muito ruim porque houve pouca assistência por parte das universidades aos estudantes, não houve um esforço inicial de manter esses estudantes, de dar assistência”, ressalta.

Em meio a esse cenário, Caldas declara que a ABMES busca atuar na orientação às instituições privadas “para que as negociações das mensalidades sejam feitas individualmente, personalizadas, conforme as necessidades de cada aluno. Não faz sentido estabelecer um critério linear para a situação. Por outro lado, temos trabalhado ativamente junto ao Congresso e ao Governo Federal para aprovação de linhas de crédito para o financiamento estudantil e para as IES poderem ter fluxo de caixa e investirem em tecnologia”.

As universidades públicas também sofreram impactos com as mudanças, à sua maneira. “Nas públicas você tem muito essa questão também do acesso à tecnologia, porque muitos estudantes cotistas são pessoas que vêm de famílias mais pobres e regiões que têm dificuldade de acesso à internet, então tudo isso soma para uma dificuldade maior. Só que nas públicas, especialmente as federais, você teve um tempo ali que ficou sem aula, na perspectiva de que retornaria e não prejudicaria ninguém de nenhuma forma. Aí teve um pouco mais de discussão e de tentativa de construção de um planejamento, as universidades flexibilizaram as disciplinas, a presença, fizeram programas de bolsas para estudantes que não tinham computador ou internet”, conta Iago.

Para ele, a falta de uma política centralizada foi o principal problema enfrentado pelos alunos até então. “Tanto nas privadas quanto nas públicas, não houve uma coordenação a nível nacional do Ministério para dar uma assistência a esses estudantes. Muito tardiamente, só em agosto, que anunciaram uma medida que só saiu em outubro, de distribuição chips nas universidades, mas não houve política pública, coordenação, planejamento do MEC. Então muita gente desistiu por isso, porque não tinha condição de contornar”.

Embora a saída de estudantes do Ensino Superior possa ser resultado de diferentes variáveis, Catarina destaca que elas apresentam fundamentos em comum. “As questões racial, social e econômica, estão na base dessas variáveis todas que impedem que as pessoas permaneçam. Porque, no fundo, nós temos um sistema de educação que não espera que as pessoas de baixa renda cheguem no Ensino Superior, aí eu monto uma estrutura que eles chegam, mas não permanecem”, argumenta.

A desigualdade no País também é apontada pela professora como um fator que interfere na permanência dos estudantes na universidade. “As políticas do nosso País ou a lógica da sociedade brasileira é a lógica de um país que foi montado e permanece montado na base da exclusão. Então a gente não pensa políticas de democratização do acesso para todas as pessoas. É sempre esse negócio estratificado. É um país extremamente desigual e se ele é desigual, o acesso à educação é desigual, a permanência é desigual, é tudo desigual”.

O perfil do universitário brasileiro
O Mapa do Ensino Superior 2020, desenvolvido pelo Instituto Semesp, traçou um perfil do estudante do Ensino Superior, baseado em dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). De acordo com esse levantamento, a educação superior é formada, majoritariamente, por pessoas brancas, com idade entre 19 e 24 anos, que estudam em instituições privadas no período noturno e trabalham, na maioria dos casos para pagar a própria mensalidade do curso. Não à toa, a taxa de evasão nas instituições privadas foram significativamente maior durante a pandemia.

No entanto, ainda que a porcentagem de evasão seja menor nas universidades públicas, é importante que a discussão sobre permanência estudantil também esteja nesses ambientes, principalmente por causa da ampliação do acesso da população negra e de baixa renda à educação superior pública, por meio de políticas de cotas. “A gente tem sempre uma ilusão de que porque é universidade pública lá não tem preconceito e isso não existe. A universidade é parte da sociedade com tudo isso”, esclarece a professora.

Reduzir o índice de evasão requer medidas amplas
Embora uma das principais causas apontadas para o elevado número de pessoas que abandonam a educação superior esteja relacionado à restrições econômicas, o apoio financeiro não é a única resolução para o problema de evasão. “A política de permanência não pode ser encarada só como um apoio financeiro. Ela precisa ser encarada num âmbito geral, que é desde apoio financeiro até apoio psicológico, até apoio pedagógico, como você lida com os problemas de aprendizagem dos estudantes”, defende Iago.

A professora da UnB e dirigente da Campanha Nacional de Direito à Educação, acredita que as políticas devem ser universalizantes e garantidas pelo Estado. “[É necessário] ter uma infraestrutura que possa fazer com que esse estudante sobreviva e se forme com qualidade nesse ambiente. Objetivamente, a desigualdade está posta então a gente vai precisar pensar no interior das universidades, a formação dos professores, olhar para o aluno trabalhador e ter flexibilidade nessa questão do horário, de como é que são as leituras que a gente vai pensar, que os estudantes tenham acesso a computador. Ter um trabalho intersetorial e sempre muito bem dialogado. Você tem que ouvir, debater, construir com quem está sofrendo, perguntar para as pessoas, entender, construir as propostas a partir disso”.

Assim como Catarina, o diretor da ABMES considera o suporte do setor público fundamental. “O ensino híbrido tende a ser o ‘novo normal’ na educação. Estamos procurando garantir que não exista um apagão de mão de obra no Brasil e, para isso, precisamos contar com o apoio e o fomento de políticas públicas para que isso seja possível”, complementa.

O presidente da UNE também dá destaque para a necessidade de medidas que reduzam os impactos do modelo de ensino adotado durante a pandemia. “Nós sabemos que a aula virtual ou remota, que é diferente do EaD - a gente sempre frisa isso porque o EaD, na nossa opinião, é um modelo que tem seus próprios métodos e técnicas, o que está acontecendo agora é uma improvisação - e é um desafio porque é um momento que efetivamente nós não temos como voltar as aulas presenciais, a gente entende que isso não é uma saída. Agora você precisa trabalhar para reduzir os impactos dessa [modalidade], porque [em] uma aula remota há mais dificuldade de você conseguir absorver conhecimento e aprendizagem do que na sala. A aprendizagem dos estudantes, o nível de concentração, até o índice de problemas psicológicos nos estudantes aumentou, então você tem uma questão em relação ao acompanhamento dos estudantes psicologicamente, do ponto de vista pedagógico, e isso precisa ser muito bem pensado pelas universidades, desde que tipo de plataforma você vai usar, como os professores vão dar trabalhos, avaliações, até fornecer algum tipo para os estudantes ligarem quando estiverem problemas psicológicos, fornecer psicólogos, então fortalecer e coordenar projetos desse tipo para lidar com os estudantes que não evadiram, mas que se você não cuidar deles eles vão evadir também”.

Fonte: Revista QB