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Ter, Abr

Mais birra, irritabilidade e até depressão: as consequências da falta de aulas presenciais para as crianças

Notícias EAD

Fechamento das escolas, necessário para conter a transmissão do coronavírus, trouxe impactos para a saúde mental na infância.

Fechamento das escolas, necessário para conter a transmissão do coronavírus, trouxe impactos para a saúde mental na infância.

Por causa da pandemia da Covid-19, escolas do país inteiro ficaram fechadas por quase todo o ano letivo de 2020. Era uma medida necessária para evitar a disseminação da doença. Por outro lado, manter as crianças distantes das salas de aula e dos amigos trouxe consequências para a saúde mental delas.

Segundo profissionais de educação e de saúde ouvidos pelo G1, há alunos com:

ansiedade e depressão;
alteração no sono e no apetite;
maior irritabilidade e agitação;
dores psicossomáticas (uma dor de cabeça, por exemplo, de origens emocionais);
regressão no comportamento (passam a fazer xixi na calça ou a ter atitudes de birra);
dificuldade na socialização.
Para Raquel Franzim, coordenadora de educação do Instituto Alana, era esperado que houvesse um atraso no desenvolvimento das crianças.

“Na escola, elas exercem algum nível de independência. Precisam tomar decisões sozinhas: onde vão comer, com quem vão tomar o lanche — há um estímulo à autonomia. O ambiente familiar as poupa disso, porque os pais vão tomar as decisões. Isso traz um impacto na saúde emocional”, diz.

“Algumas crianças passam a não saber mais comer sozinhas, querem só dormir na cama dos pais, deixam de se limpar sem ajuda. A ausência do ritmo escolar vai causando mais ansiedade, agitação e regressão na independência”, diz.

Segundo o psiquiatra Marcelo Feijó, professor do departamento de psiquiatria da Escola Paulista de Medicina e da Faculdade de Medicina Einstein (SP), há uma perda nas “conquistas” antigas das crianças. “Algumas ficam sem o controle do esfíncter e passam a fazer xixi na cama. Falam de dores que não são relacionadas a quadros clínicos, mas a emoções, como estresse e tensão”, diz.

Mas, calma, não há motivo para desespero: os especialistas explicam que estes comportamentos serão reparados depois, aos poucos, com a volta das atividades.

Em São Paulo, Tatiane Romano sentiu alterações na rotina do filho, Davi, de 3 anos.

“Antes, ele dormia das 21h às 7h. Sem escola, passou a deitar à meia-noite e a levantar só às 10h. Ele ficava irritado, queria só ver TV e tablet”, conta. “Virou uma criança mais agressiva, jogando coisa no chão, respondendo pra mim: ‘Me deixa’.”
O menino voltou à escola no início de fevereiro. “Estou com muito receio da pandemia, mas arrisquei. Estava muito difícil, eu não conseguia mais trabalhar em casa, ele só queria colo. Agora, já chega mais cansado e dorme bem", conta Tatiane.

No final de janeiro, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou um documento em que defende o retorno às aulas presenciais, citando o adoecimento de alunos e professores. Reconhece que não foram colocadas em prática as regras para garantir a segurança sanitária, principalmente na rede pública, mas diz que as crianças "representam menos de 1% da mortalidade e respondem por 2-3% do total das internações".

A entidade pede "a responsabilização das autoridades públicas, nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal), para solucionar o problema da volta às aulas, o que implicaria a tomada de uma série de decisões".

Por que estar longe da escola pode trazer tantas consequências emocionais?
A interrupção das atividades presenciais da escola pode trazer abalos psicológicos por causa de fatores como a:

rotina desregrada, sem horários definidos;
distância dos amigos e dos professores;
exposição mais intensa a telas;
perda do contato com realidades diferentes das de casa;
exposição maior a problemas do núcleo familiar (como agressões e brigas);
redução da autonomia e do espaço de independência que a escola oferecia.
“Há uma quebra de ritmo de vida, de socialização, de horários. O isolamento priva as crianças das atividades de movimento, das brincadeiras e das conversas”, explica Feijó.

Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acrescenta mais um fator: a perda dos chamados “laços fracos” — relações superficiais que o aluno desenvolve com colegas ou funcionários da escola.

“É por meio disso que a gente se conecta com outras realidades e desenvolve empatia”, afirma. A criança que passa a conviver apenas com seu núcleo familiar perde o contato com outros universos.

Quando procurar ajuda?
Segundo o psiquiatra Feijó, em uma situação tão prolongada de isolamento, é inevitável que haja consequências na saúde emocional das crianças. Mas quando é hora de procurar ajuda médica?

Vitor Calegaro, professor de neuropsiquiatria da Universidade de Santa Maria (RS) e coordenador do projeto Covid Psiq, recomenda que os pais fiquem atentos aos seguintes sinais:

ansiedade de separação (a criança que era independente passa a ficar com medo de perder os pais de vista, mesmo dentro de casa, por exemplo);
alterações no apetite e ganhos/perdas de peso;
insônia e dificuldade para dormir;
pesadelos com frequência maior;
irritabilidade;
mudança no padrão das brincadeiras e dos desenhos (mais temáticas de morte, por exemplo, ou de posturas agressivas).

“As crianças usam outras formas para expressar o que sentem, por isso, os adultos devem prestar atenção em mudanças de comportamento. Se forem alterações persistentes, o ideal é procurar um psicólogo infantil”, recomenda Calegaro.

Em Manaus, Ana Inês de Souza sugeriu que seu filho, Carlos, de 10 anos, conversasse com um terapeuta. “Expliquei que é um profissional, que não vai contar nada para mim. Mas ele disse que não quer falar com ninguém. Tento ficar ao lado dele, dar apoio, mesmo que em silêncio”, conta.

Em Manaus, Carlos passou a ficar mais tempo em frente a telas. Ele sente falta do futebol e dos amigos. — Foto: Arquivo pessoal
Em Manaus, Carlos passou a ficar mais tempo em frente a telas. Ele sente falta do futebol e dos amigos. — Foto: Arquivo pessoal

O menino chegou a retornar à escola em 2020, antes de a pandemia se agravar no Amazonas. Depois, voltou a ficar em casa. “É uma mudança muito grande na vida dele: ele era muito ativo, jogava bola no fim de semana, praticava esportes, via os amigos. Agora, ele só quer 'maratonar' série. Alterou o horário de dormir, está mais malcriado, irritado e desanimado”, diz Ana Inês.

“Ele me disse que, se o mundo continuar assim e ele não puder mais sair, não quer viver mais do que 40 anos. Dá uma tristeza ouvir isso. Sinto que ele perdeu o brilho e a vontade de sonhar.”
Desafios na retomada
Especialistas reforçam que a retomada das aulas deve acontecer apenas quando houver condições seguras e adequadas para a prevenção da Covid-19. “Mesmo com todas essas consequências emocionais, o direito à vida está acima disso”, diz Vinha.

Marta Gonçalves, professora e psicopedagoga do Instituto Singularidades, ressalta também que é preciso preparar uma reabertura que foque não só na questão sanitária e curricular, mas também no acolhimento emocional.

“Pode haver um estranhamento. Uma criança pequena talvez se desacostume a dividir o brinquedo com amigos ou a não ter mais a atenção exclusiva dos adultos. A pandemia trouxe uma privação de tudo isso”, explica.
“E o isolamento ocorreu de forma muito singular em cada casa. Há alunos que perderam o pai, a mãe, o avô. Eles estarão em um período de luto.”

Vinha dá sugestões de atividades de acolhimento na escola elaboradas por seu grupo de pesquisa na Unicamp:

criar espaços de escuta e círculos de conversa;
respeitar quando os alunos não quiserem falar sobre sentimentos;
montar caixas de areia para que os alunos desenhem, com as mãos, como estão se sentindo;
fazer uma caixa na qual as crianças possam depositar desenhos ou textos anônimos que expressem suas emoções;
montar jogos de memória e quebra-cabeças com a temática de emoção (podem ser peças com emojis bravos, tristes, felizes…).
Em todos os casos, é preciso estar atento à necessidade de atendimentos individualizados. A escola deve acionar as redes de proteção quando julgar que um aluno está em situação de sofrimento acentuado.

Fonte: G1 Educação