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Qui, Abr

Após um ano sem aulas presenciais, acesso a material didático ainda é problema

Notícias EAD

Passado mais de um ano de escolas fechadas em Minas Gerais, o calendário de 2021 já teve início, mas uma pergunta de 2020 ficou sem resposta: os professores e alunos da rede pública vão continuar enfrentando as mesmas dificuldades do período anterior?

Encontrar soluções para algo que devastou o ambiente escolar mundial não é algo trivial, mas agir é preciso. O ambiente escolar como havia antes segue comprometido. A falta de acesso à internet de qualidade é um fosso difícil de vencer - estima-se que 30% dos alunos tenham problemas nesse quesito. Nem todos possuem computador ou celular, e para milhares de alunos nem mesmo as aulas exibidas na Rede Minas são possíveis, já que o sinal é limitado.

As equipes da Secretaria de Estado da Educação se esforçam para resgatar a proximidade entre o estudante e o professor, algo perdido ao longo do período em que as escolas estão fechadas. Uma das reclamações de professores é que os alunos não estão incentivados a aprender nem a fazer perguntas. Muitos pegam as apostilas, batizadas de PET (plano de estudo tutorado) e apenas marcam respostas aleatórias. “O PET é bom, mas os alunos acabam não assistindo às aulas. Apenas copiam as respostas na internet”, avalia um professor de matemática de Jequitinhonha.

Educadores reclamam de falta de formação para o uso das tecnologias e o rosário de perrengues se completa com a crise financeira que não dá trégua, o que ajuda a afastar ainda mais o aluno do meio escolar. Na turma do 6º ano de uma escola estadual da regional Pampulha, na capital, uma professora exemplifica o descolamento atual entre estudantes e professores. “Somente seis ou sete dos meus alunos me respondem no grupo do WhatsApp”, diz. Ela está em fase de ensinar aos estudantes como usar o Conexão Escola, o aplicativo desenvolvido pelo governo para o ensino remoto, mas a precariedade do acesso à tecnologia emperra a didática. “Uma aluna me disse assim: ‘aprendendo ninguém está’. Não conheço um estudante que tem computador. Se você tem um aluno que não entendeu, você não vai para frente”, reclama.

Apesar dessa desconexão, a tecnologia é parceira prioritária das equipes da Secretaria de Estado de Educação. Professores até reconhecem que o aplicativo melhorou o desempenho, e o uso de ferramentas do Google Sala de Aula tem servido de complemento eficaz. Mas quando é necessário fazer o material didático em papel chegar ao aluno, aí a sirene toca. A secretária de educação Julia Sant’Anna afirma que as apostilas são encaminhadas a todos os alunos da rede estadual, mas O TEMPO encontrou vários estudantes que não conseguiram as atividades.

Uma escola estadual na região Nordeste de Belo Horizonte indicou uma gráfica aos alunos que queiram pagar pelo material impresso. Na região Norte da capital, outra escola fez vaquinha para conseguir imprimir as apostilas. Em um bairro vizinho, somente 20% do corpo discente de uma escola recebeu o material, pois a administração não tinha verba suficiente. “É tudo muito precário, o bairro é carente. A educação é invisível para a sociedade”, desabafa uma experiente funcionária da unidade.

Julia Sant’Anna afirma que 97% do contingente de 1,7 milhão de alunos da rede estadual receberam as apostilas, seja em formato digital ou impresso. A versão em papel foi enviada a 28% dos matriculados, segundo a secretária. Questionada sobre escolas que não estão cedendo o material impresso gratuitamente, a chefe da pasta explica que a verba que seria usada para limpeza e manutenção das instituições de ensino deve ser direcionada à impressão das apostilas. Ela sugere que casos assim sejam denunciados. “Isso não pode existir”, critica.

A reportagem optou por preservar o anonimato dos docentes, estudantes e familiares ouvidos durante a apuração. Os nomes das escolas onde os fatos narrados ocorreram também serão mantidos sob sigilo.

Expectativa de voltar logo

Uma expectativa positiva para a secretária estadual reside na hipótese de retorno às aulas presenciais. Ela acredita que o anúncio pode acontecer em breve, assim que os índices de infecção da Covid-19 diminuírem. Também é preciso que a atual Onda Roxa, a mais restritiva do programa Minas Consciente, mude de cor para amarela, nível menos grave. “É urgente a retomada das aulas”, avalia Julia Sant’Anna. Em paralelo, o governo acredita que o Tribunal de Justiça (TJ) irá reverter a decisão do ano passado que proibiu o reinício das atividades escolares presenciais. A ação foi movida pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG). “Isso vai para julgamento do mérito da liminar, mas estamos confiantes em uma decisão favorável. Minha expectativa é que o TJ nos autorize (a reabrir as escolas)”, prevê.

“Nossa consciência é de que a desigualdade social e econômica ficou ainda mais exposta.”
Julia Sant’Anna, Secretária de Estado de Educação de Minas Gerais

12% das escolas mineiras não têm internet disponível para alunos e professores

Aulas da Rede Minas não chegam a mais da metade das cidades
O programa “Se Liga na Educação”, com aulas exibidas na Rede Minas, é uma aposta do governo estadual de complemento ao ensino remoto, mas as limitações no sinal de transmissão no território mineiro comprometem esse objetivo. Em Pedralva, no Sul de Minas, por exemplo, os estudantes não têm essa opção - quem liga na TV pública vai ver chuvisco. Com 12 mil habitantes, a cidade não aderiu ao PET em suas escolas municipais - várias cidades, no entanto, optaram pelas apostilas do governo estadual. “O sinal de internet aqui não é unânime”, explica o secretário de educação Paulo Sérgio Pereira. A prefeitura desenvolveu seu próprio material didático e entregou as folhas para os cerca de 700 alunos da rede municipal.

Ampliar o sinal de transmissão da Rede Minas é um entrave difícil de vencer em tempo hábil, já que demanda investimento e tecnologia. Atualmente a exibição das aulas não alcança nem metade dos municípios mineiros - das 853 cidades, 389 sintonizam no canal público. Também é possível assistir pelo YouTube. Julia Sant’Anna afirma, no entanto, que o governo vem conseguindo acelerar essa abrangência. “Em maio tínhamos 59% dos alunos residindo em cidades com cobertura da TV. Agora vamos chegar a 82% da rede atendida, depois que instalamos 80 receptores e assinamos acordo de cobertura com a TV Assembleia”, observa. Isso quer dizer que 300 mil alunos ainda não conseguem ligar a televisão e conferir as aulas na Rede Minas.

Alunos têm dificuldades para assimilar conteúdo
A defasagem no aprendizado deixou de ser previsão entre os especialistas e passou a frequentar o cotidiano escolar. Uma professora de Divinópolis, na região Centro-Oeste, cita que os alunos do 3º ano já apresentam dificuldades em fazer operações fundamentais como soma e subtração, conteúdo que estaria assimilado antes da pandemia. “A alfabetização dessas crianças está comprometida. Elas esqueceram o que foi aprendido no ano passado porque o conteúdo não está sendo fixado pela falta da família”, aponta a docente de uma escola municipal.

Essa falha do envolvimento familiar na educação dos jovens é ressaltada por Milko Matijascic, pesquisador da área de educação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para ele, a opção do ensino remoto demanda participação certeira dos pais, mas a desigualdade social brasileira é um impedimento para essa conta fechar. “Em famílias mais pobres esse envolvimento é limitado”, diz. Um levantamento realizado por seus colegas do Ipea mapeou parte do imbróglio. A falta de internet em casa afeta 5,8 milhões de estudantes no Brasil - 16% dos alunos do ensino fundamental e 10% do ensino médio não têm acesso a um pacote de dados de qualidade, segundo informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). Em Minas Gerais, 12% das escolas públicas também não possuem internet, conforme levantamento do Censo Escolar 2019 feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). “Existe esse problema de acesso e há dificuldades no uso da tecnologia. É preciso preparação do corpo docente”, resume o pesquisador.

É o que ocorre com os filhos de 14 e 15 anos de uma diarista que mora na Ventosa, comunidade da região Oeste da capital. Sem computador em casa, eles afrouxaram o vínculo com os professores e abandonaram as lições. “Está um caos, a escola não procura a gente”, reclama a mãe dos garotos.

A crise financeira que se abateu nas famílias ao longo da pandemia, com pais e mães perdendo seus empregos ou ficando doentes, incrementa a tragédia educacional que vem sendo esboçada. Em Montes Claros, cidade do Norte mineiro, 80% das famílias atendidas no Conselho Tutelar devido a relatos de evasão escolar disseram que seus filhos pararam de fazer as atividades por não terem condições de manter gastos com tecnologia, como computador e internet. Para reconquistar esse aluno que desistiu da escola, o governo estadual investe em ações de busca ativa, o que possibilitou convencer 30 mil estudantes a retornarem às aulas em 2020 - o dobro do ano anterior.

Reforço
Essa cratera social é sabida pelos gestores da pasta de educação, que tentam vencer os obstáculos. “Nossa consciência é de que a desigualdade social e econômica ficou ainda mais exposta”, concorda a secretária. Para minimizar esse descompasso, cerca de 100 mil estudantes ganham nova oportunidade a partir desta semana. Alunos do 6º e 9º ano do ensino fundamental, junto a estudantes do ensino médio, todos com baixo desempenho no ano passado, terão aulas de reforço escolar em língua portuguesa e matemática. “São estudantes que tiveram dificuldades na entrega das atividades, ou que não entregaram”, informa Geniana Guimarães, subsecretária de desenvolvimento da educação básica.

Verba da educação ficou menor em 2020
A privação também atrapalha o orçamento estadual destinado à pasta da educação. No ano de início da pandemia, a verba da secretaria caiu em R$ 600 milhões - passou de 9,6 bilhões em 2019 para 9 bilhões em 2020 -, e as despesas correntes tiveram redução de R$ 531 milhões. No entanto, o valor destinado a investimento teve aumento, indo de R$ 197 milhões para R$ 245 milhões no mesmo período. A Secretaria teve dificuldades de cumprir a execução de 25% da receita corrente líquida com educação, algo previsto na Constituição Federal e apontado em audiência na Assembleia Legislativa. Conforme relatório de execução orçamentária emitido pela Secretaria de Estado da Fazenda, a pasta aplicou somente 15,85% do valor previsto no bimestre janeiro e fevereiro de 2021. Consultada, a pasta da educação informou que o mínimo constitucional é determinado para o período de execução de um ano.

A previsão do orçamento para este ano é de R$ 11 bilhões, mas nove bilhões estão comprometidos com folha de pagamento e encargos sociais. A pasta pretende investir R$ 270 milhões no Programa Mãos à Obra na Escola, de melhorias na infraestrutura das escolas, e outros R$ 300 milhões em renovação do parque tecnológico. O projeto Mãos Dadas, de ampliação da oferta dos anos iniciais do ensino fundamental nas unidades escolares, deve consumir R$ 584 milhões.

Fonte: O Tempo