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Sáb, Abr

Indígenas do litoral de SP fazem excursão para prestar vestibular pela 1ª vez: 'quero ajudar a aldeia'

Notícias EAD

Projeto em aldeia de Ubatuba quer estimular indígenas a ingressarem na universidade e trazerem para a própria comunidade o conhecimento que adquirirem. Neste domingo (13), grupo tenta vagas em cursos de licenciatura em EAD da Univesp.

Projeto em aldeia de Ubatuba quer estimular indígenas a ingressarem na universidade e trazerem para a própria comunidade o conhecimento que adquirirem. Neste domingo (13), grupo tenta vagas em cursos de licenciatura em EAD da Univesp.

Por Danilo Sardinha.

A estrada de terra que leva ao asfalto da rodovia Rio-Santos já foi percorrida por Adriana de Silva Lima inúmeras vezes. Na juventude, era o caminho diário dela para chegar ao ponto onde passava o ônibus que a levava à escola de ensino médio. Às 17h, ia no sentido rodovia. Por volta de 1h, retornava no sentido da aldeia indígena Boa Vista, em Ubatuba (SP).

Adriana estava ansiosa para passar outra vez pela estrada de terra na manhã deste domingo (13). Dias antes, já sentia as borboletas no estômago. Não fez o trajeto sozinha. Tinha a companhia do filho Noah, de oito meses, e outros nove indígenas guaranis que vivem na aldeia. O caminho, novamente, a levava rumo à educação. Levava rumo à prova do vestibular.

Por volta das 8h30, o ônibus da prefeitura pegou os indígenas na aldeia e os levou a Caraguatatuba, onde ocorrem as provas da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). É a primeira vez que um grupo da aldeia indígena Boa Vista faz uma excursão para prestar vestibular.

 

A ida para prestar o vestibular é muito valorizada na comunidade. Adriana, de 34 anos, deixou o ensino médio há 15 anos e decidiu retomar os estudos para adquirir novos conhecimentos. O que aprender, quer transmitir dentro da própria aldeia, onde nasceu e vive até hoje.

"É muito importante prestar o vestibular, fazer faculdade. Os jovens estão avançando, vamos fazer esse vestibular. Não é nem para trabalhar fora. É para trabalhar mais para a comunidade mesmo. Aprender mais para ajudar, quero ajudar a aldeia. Eles precisam de ajuda, com as demandas da aldeia. (...) Já fiz prova para entrar no ensino médio, mas faz tempo. Estou bastante ansiosa. Os outros também", disse Adriana, que também atende pelo nome de Tiapya (na língua guarani, significa serena).

Adriana é professora há 11 anos na escola estadual que há dentro da própria aldeia. Tem o ensino médio completo e conseguiu uma autorização para dar aulas para o ensino infantil. Agora, mira o diploma de pedagogia para seguir na área e pavimentar o caminho da educação para as próximas gerações da aldeia.

Acesso à universidade
A aldeia Boa Vista, em Ubatuba, é habitada por índios da etnia Guarani Mbya. São cerca de 62 famílias que vivem no local, o que dá aproximadamente 290 indígenas. Nas reuniões da aldeia, um desejo em comum é que os indígenas cheguem mais ao ensino superior. Que os jovens da aldeia se formem e possam usar o conhecimento também ali na comunidade.

Na aldeia, há uma escola estadual que atende desde o ensino infantil, em que Adriana dá aulas, até o ensino médio. O próximo passo, que é o ensino superior, poucos conseguiram dar. São poucos indígenas ali que chegaram à faculdade. Uma realidade que a escola tenta mudar. O supervisor de ensino estadual Vitor Paulo Fida da Gama é quem está à frente do projeto.

"Era um sonho deles, que os indígenas fossem para a faculdade. Se eles precisam de um engenheiro, vem um que não é indígena. Se precisam de um médico, um enfermeiro, sempre é um que não é indígena, porque o indígena não costuma chegar nesses níveis. Então, estamos nesse processo de construção. Conversando com alunos, fomos discutindo como poderíamos fazer para eles chegarem mais ao nível superior", contou Vitor Gama.

Um caminho encontrado foi prestar o vestibular da Univesp. A faculdade é pública, o que não geraria o gasto com as mensalidades, e ela é virtual. Como o acesso à aldeia não é fácil, o ensino à distância facilita. Os indígenas que forem aprovados no vestibular, poderão utilizar os computadores e a internet da escola para assistir às aulas.

Há um polo da universidade em Caraguatatuba, cidade vizinha de Ubatuba. Nos dias de prova, é um deslocamento possível, já que da aldeia até Caraguá, o tempo de percurso é de aproximadamente uma hora.

Foram convidados para prestar o vestibular os alunos que terminaram o ensino médio ali na aldeia. Neste domingo, os 13 que prestam a prova são para cursos de licenciatura (pedagogia, letras e matemática). No próximo fim de semana, outros três farão vestibular para cursos de tecnologia. Ao chegarem em Caraguatatuba, são recebidos na diretoria de ensino do estado, recebem alimentação, kits com lápis, caneta, borracha e máscara para fazerem a prova. Depois, são encaminhados para o local onde será feito o vestibular.

"No sábado, dei para eles uma aula sobre redação. Essa é a maior dificuldade deles. O primeiro idioma dele é o guarani. Isso levanta uma outra questão dessas aldeias. Não há uma opção de não ser na língua portuguesa. É um outro desafio que é preciso considerar, que é reconhecer outras línguas faladas no Brasil", disse Vitor.

Os 13 indígenas escolheram os cursos de licenciatura para ajudarem a própria aldeia. Na escola que há na comunidade, o ensino é bilíngue (língua guarani e português). Os professores do ensino infantil e fundamental são indígenas. Há alguns formados e outros apenas com autorização para dar aula, como Adriana. Os professores do ensino médio são todos de fora da aldeia.

"Entre esses direitos de todos, está o acesso aos níveis educacionais. Com certeza, fortalece o povo, a história. Quando levamos isso para um público maior, a gente desconstrói preconceitos. É muito importante trabalhar para que a população indígena atinja todos os níveis educacionais", destacou Vitor Gama.

Educação indígena
De acordo com a secretaria estadual de educação, há 38 escolas de ensino indígena no Estado, divididas em 20 cidades. No total, 1.500 alunos matriculados.

Anos iniciais: 677 alunos
Anos finais: 544 alunos
Ensino Médio: 226 alunos
Ensino de Jovens e Adultos Anos iniciais: 4 alunos
Ensino de Jovens e Adultos Anos finais: 25 alunos
Ensino de Jovens e Adultos Ensino Médio: 34 alunos

Fonte: G1 Vale do Paraíba e Região