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07
Ter, Maio

Ensino a distância para crianças e jovens: o que dá certo em outros países

Ainda que a tecnologia possa ser uma grande aliada, quanto menor a criança, mais tempo ela precisa estar na escola. O risco do EaD na educação básica é cair em uma estratégia comercial para reduzir custos necessários para a aprendizagem.

Existe uma mudança importante acontecendo nas escolas de ensino fundamental de uma série de países tão diferentes entre si quanto o Canadá e a Malásia, a África do Sul e os Estados Unidos, a França e a China. Nos últimos anos, em todos esses lugares, a tecnologia vem sendo incorporada de forma a transformar toda a experiência de ensino e aprendizado.

De um lado, o professor passa a ser um mediador, atento às peculiaridades de cada um de seus alunos. De outro, o estudante participa de forma mais ativa da construção do conhecimento. Não se limita mais a ouvir aulas passivamente, fazer lição de casa e estudar para provas – ele passa a usar a tecnologia para desenvolver projetos que coloquem em prática a teoria que aprendeu. Essa tendência é conhecida como ensino híbrido. Ela já existe no Brasil, e é o mais próximo que a educação infantil deve chegar de instituir o ensino a distância (EaD).

Ensino da Bolívia a Bangladesh
Por mais que o presidente eleito Jair Bolsonaro tenha comentado, durante a campanha eleitoral, que pretende estimular o EaD no Brasil, mesmo para o ensino fundamental, retirar todas as crianças de uma região inteira do ambiente escolar é inviável – pelo menos, é algo que não foi tentado em lugar algum até hoje, com a exceção notável de um grande conjunto de escolas dos Estados Unidos.

No Brasil, o que a legislação permite, por intermédio do decreto nº 9.057/17, é o uso de ensino a distância na educação básica somente em situações emergenciais, como em regiões de difícil acesso, problemas de saúde, viagem para o exterior ou casos de privação de liberdade. Uma atualização do decreto, em maio do ano passado, chegou a deixar clara a intenção de liberar aulas em EaD a partir do 6º ano do ensino fundamental. O Ministério da Educação voltou atrás, o texto foi alterado no mesmo dia, mas o assunto ainda é discutido internamente.

Enquanto a alteração não vem, o ensino a distância para educação fundamental é utilizado, em pequena escala e em situações pontuais. “No estado do Amazonas, em municípios mais isolados, os estudantes seguem para um pequeno centro, onde as aulas são transmitidas por vídeo e um tutor acompanha as atividades”, explica João Mattar, pós-doutor pela Universidade Stanford, professor da Universidade Anhembi Morumbi e especialista em desenvolver disciplicas a distância para diferentes instituições de ensino superior brasileiras. Ele faz referência ao Centro de Educação Tecnológica (Cetam), que se tornou referência no ensino online para jovens. “E existe também”, continua o professor, “o case de sucesso internacional do Exército brasileiro”.

Trata-se da atuação do Colégio Militar de Manaus, cujo sistema de EaD atende a mais de 500 estudantes de ensino fundamental e médio, filhos e dependentes de militares, que se deslocaram para postos distantes com seus pais. Eles vivem em cidades do interior do Amazonas e em países tão distantes quanto China, Suécia, Bangladesh, Bolívia e África do Sul. Quando os pais são transferidos, eles podem manter os filhos estudando por um sistema virtual.

Também existe o caso das crianças educadas em casa. No Brasil, o chamado homeschooling é vetado por lei, mas ainda assim estima-se que cinco mil famílias adotam a prática – recentemente, uma tentativa de torná-la válida foi vetada pelo Supremo Tribunal Federal. “Existem países, principalmente de língua inglesa, como Inglaterra, Estados Unidos e Austrália, que têm uma tradição muito forte de homeschooling. Nesses locais, existe um grande mercado que fornece plataformas de ensino a distância, com material didático e tutores que auxiliam os pais”, explica João Mattar.

Mas o número de alunos atendido, nos dois casos, é relativamente pequeno. Para sistemas inteiros de ensino de países ou regiões muito grandes, o ensino híbrido é mais promissor.

Nova estratégia
Na verdade, no Brasil e em outros lugares do mundo, há muitas décadas que os alunos já são formados, em parte, longe das escolas. Afinal, eles fazem lição de casa, preparam trabalhos em grupo, leem e estudam para provas, tudo fora do ambiente escolar. A diferença é que, com a adoção da tecnologia, o tipo de atividade que se exerce dentro das instituições de ensino pode mudar, e o tempo que o aluno permanece dentro da escola pode diminuir.

“Algumas atividades dos cursos presenciais, tanto no ensino fundamental quanto no médio, podem ser realizadas a distância. É o que acontece em outros países: o aluno passa menos tempo na escola”, diz João Mattar. “Tudo isso considerando que, quanto menor a criança, mais tempo ela precisa estar na escola. Conforme caminha para o ensino Fundamental II, a partir do 6º ano, ele pode aumentar sua autonomia”.

É o que acontece hoje em países tão diversos quanto Canadá, Holanda, China, África do Sul, Malásia, Alemanha, Austrália, Israel, Áustria, Finlândia, Coreia do Sul e França: a partir da metade do ensino médio, a frequência à escola diminui. Ainda assim, o que se vê em um país como o Canadá, por exemplo, é que essa transição está apenas começando, em algumas províncias mais rápido do que em outras – Ontario, por exemplo, tem a meta de inserir todas as suas escolas no modelo híbrido. “A educação online como complemento do presencial ainda é a forma dominante do sistema escolar canadense”, afirma Lucio Teles, professor associado da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB).

“Em geral as escolas de tijolo e cimento ainda são a fonte primeira da educação do jovem. Em todas províncias existem iniciativas de educação a distância em varias escolas, mas na maioria dos casos estas são atividades complementares às atividades presenciais”. O que vem acontecendo por lá, diz ele, é a integração da tecnologia. “O que talvez possamos aprender deles é como ir progressivamente integrando a educação online ao sistema escolar regular, mas mantendo sempre as aulas presenciais”.

Mas o ensino híbrido vai além da simples reorganização do tempo em que se passa na escola. Quem explica é Lilian Bacich, pedagoga e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP), coordenadora geral de Pós-Graduação e de Pesquisa do Instituto Singularidades e organizadora do livro Ensino Híbrido: Personalização e Tecnologia na Educação.

“Com a tecnologia, você transforma o professor num designer de experiências de aprendizagem, capaz de atender o aluno que aprende melhor com vídeos, ou trabalhando em grupo. A tecnologia digital, portanto, não é um fim, mas um meio, para que o aluno consiga aprender melhor e com mais qualidade”. Algumas escolas particulares brasileiras já adotam o modelo – é o caso de instituições como o Colégio Dante Alighieri, de São Paulo Colégio Dinâmico, de Maceió, o Colégio Loyola, de Belo Horizonte e o Colégio Pastor Dohms, de Porto Alegre.

Mudança com critério

Lilian Bacich coordena um curso online de formação de professores, que já formou mais de 20 mil profissionais para essa nova estratégia. “Com o ensino híbrido, o professor intercala momentos em que ele mantém a aula, da maneira como ele estava acostumado a fazer e os alunos estavam acostumados a ter”, ela explica. “Mas ele começa a transformar alguns momentos da sua prática, da sua rotina, em momentos em que a tecnologia se integra de maneira que faça sentido, tanto para ele quanto para os alunos”. E isso acontece de forma muito prática, com os alunos sendo estimulados a produzir vídeos, criar blogs colaborativos ou desenvolver aplicativos.

Funciona? Sim, desde que toda a estrutura de ensino seja realmente alterada. “O potencial da tecnologia para os alunos de ensino fundamental é muito grande, desde que ele não seja utilizado para assistir um vídeo, para ficar jogando um joguinho. Esse tipo de coisa a criança já faz sozinha”, afirma Lilian Bacich. “Não adianta trocar a palestra pelo Power Point, ou um livro didático por um tablet”.

Essa é, de fato, a maior crítica ao ensino híbrido, ou a qualquer outro modelo que coloque crianças para estudar a distância: o risco de que essa seja apenas uma estratégia comercial para reduzir custos. Afinal, colocar crianças para assistir vídeos em casa reduz a demanda por espaço, e trocar professores por tutores poderia configurar uma simples estratégia para diminuir a qualidade – e o preço – da mão de obra.

Em artigo publicado no jornal Washington Post, a repórter especial Valeria Strauss dá um exemplo: “A Fundação Rocketship, uma das redes de escolas que mais crescem fora dos Estados Unidos, adotou um modelo de ensino híbrido para crianças desde o jardim de infância. Combina o ensino online com as atividades em sala de aula para enxugar US$ 500 mil ao ano, em salários de professores. Para chegar a essa economia, a empresa cortou os professores pela metade e contratou adultos mais baratos para supervisionar e monitorar estudantes em laboratórios de computação.”

Os Estados Unidos são, de fato, o país que mais se aproxima de instalar o ensino quase todo a distância para alunos de ensino médio e fundamental, diz José Moran, professor aposentado de Novas Tecnologias na USP e um dos fundadores do Projeto Escola do Futuro, pesquisador de projetos de inovação na educação. “Hoje, mais de 280 alunos de ensino fundamental e médio estudam nos Estados Unidos quase o tempo todo online, e os resultados são insatisfatórios”, ele afirma. “Na comparação com estudantes do ensino tradicional, em geral os alunos a distância se saem pior em matemática e conhecimento do idioma. É o problema de formar pacotes padronizados para grandes quantidades de alunos e reduzir custos ao trocar professores por tutores”.

O que funciona, diz o professor Moran, é usar a tecnologia, mantendo os alunos uma boa parte do tempo na escola. “O ensino fundamental exige que as crianças sejam orientadas e acompanhadas de perto. Escolas com modelos híbridos, que usam a tecnologia para melhorar o resultado do ensino tradicional, tendem a funcionar melhor.”

Os sete principais modelos de ensino híbrido, segundo o instituto Clayton Christensen:

Rotação por Estação: A escola é organizada em estações, pelas quais os alunos transitam. Algumas oferecem métodos tradicionais, outras apresentam conteúdo online.

Laboratório Rotacional: A diferença em relação à rotação por estação é que a parte online do conteúdo é ministrada dentro de laboratórios de informática.

Rotação Individual: Nos dois casos acima, ao fim do percurso, o estudante precisa passar por todas as estações. Aqui, o aluno passa apenas pelas estações de que precisa para cumprir uma determinada tarefa.

Sala de Aula Invertida: Tradicionalmente, o aluno assiste a aulas na sala de aula e faz os deveres em casa. Neste modelo, o aluno assiste às aulas em casa, em vídeo. Na sala de aula, o professor coordena projetos e exercícios.

Flex: Neste modelo, o aprendizado é formado basicamente por atividades e tarefas, que estimulam o aluno a desenvolver o raciocínio lógico. Os professores fornecem apoio e instrução conforme a necessidade.

À La Carte: É adotado por escolas que pretendem complementar o ensino com disciplinas eletivas, que são fornecidas por sistemas de EaD.

Virtual Enriquecido: O aluno vai à escola para sessões de aprendizagem presenciais, mas passa boa parte do tempo em casa, estudando por sistemas a distância, com aulas em vídeo, fóruns de dúvidas e exercícios realizados pelo computador."

Fonte: Gazeta do Povo