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06
Seg, Maio

“O ambiente virtual de aprendizagem vai desaparecer”

Notícias EAD

A previsão é do criador do Moodle, o LMS mais utilizado no mundo. Martin Dougiamas fala também da força que o sistema tem no Brasil, da resistência do brasileiro em tornar-se um usuário formal e da concorrência com as áreas educacionais do Google e da Microsoft

Quem vê o australiano Martin Dougiamas tentando circular pelos corredores do hotel Monte Real, em Águas de Lindóia (SP), onde acontece o 22º Congresso Internacional ABED de Educação a Distância, tem a impressão de que se trata de um astro do rock ou um ator de novela recém saído das gravações. Ele é parado pelos congressistas para selfies e aplausos, o que costuma fazê-lo atrasar alguns compromissos. A própria entrevista para o Observatório EAD e o Guia Ache Seu Curso teve que ser adiada para que ele desse atenção aos que o assediavam no palco de uma palestra que acabara de proferir.

Não é para menos. Dougiamas criou o Moodle, possivelmente o ambiente virtual de aprendizagem mais utilizado no mundo, e hoje coordena a equipe que escreve 60% do código do programa, que é aberto. Isso o coloca no topo de uma cadeia produtiva que, só no Brasil, conta com inúmeros parceiros e desenvolvedores, sendo utilizado em adaptações pela maioria absoluta das instituições de ensino no país. Nesta entrevista ao jornalista Fábio Sanchez, ele se queixa de que é impossível saber exatamente quantos utilizam de alguma forma o Moodle, porque os usuários (e, surpreendentemente, uma imensa maioria dos desenvolvedores) sequer clicam no botão destinado a identificar os usuários do sistema. E o Brasil não é exceção.

Para Dougiamas, que veio este ano pela primeira vez ao Brasil, o futuro do LMS é desaparecer, no sentido de ficar invisível, oculto atrás de aparelhos com os quais o aluno vai conversar, e ele explica nesta entrevista como será. Fala também da vocação da equipe Moodle de buscar simplicidade, do desafio de se tornar utilizável e da concorrência com o Google e a Microsoft, que têm projetos educacionais que lhe parecem muito simplistas.

O sr. veio ao Brasil duas vezes neste ano, em abril e agora. Quais os planos do time Moodle para o país?
Eu vim ao Brasil neste ano pela primeira vez. É muito longe para mim e uma língua bem diferente do inglês, mas tem sido um excelente ano. Aqui há conferências, trabalhos publicados, projetos muito interessantes que mesmo buscando na internet não é comum encontrar tão bons. Os brasileiros estão fazendo coisas muito, muito interessantes, Eu quero ver, estar em contato, fazer mais conexões, observar os comentários que as pessoas estão fazendo.

E porque o Moodle se tornou tão dinâmico no Brasil?
Creio que é uma combinação de coisas. É um recurso gratuito e que permite colaborações, e está facilmente disponível. Mas isso também vale para outros lugares, então eu não sei dizer por que o Moodle se destaca no Brasil, talvez você possa me dizer, eu gostaria de saber.

Vocês dispõem de números, como por exemplo quantos brasileiros são usuários do Moodle?
Há um botão no Moodle em que a pessoa se registra, diz o que está fazendo, qual a instituição, quantas pessoas tem, quantos cursos tem etc. Mas as pessoas não clicam no botão, de modo que nossa apuração sobre o número de usuários fica prejudicada, não sabemos onde elas estão. Não só aqui no Brasil. Em alguns lugares, como na China, eles nunca apertam esse botão, porque eles não querem passar informações. Aqui eu não sei como os brasileiros vêem essa atitude de passar informações sobre si.

Não é possível nem mesmo projetar quantos usuários há no Brasil?
Eu estive em março em uma conferência no Brasil (o Moodlemoot), com desenvolvedores e especialistas em Moodle, administradores etc. E perguntei para eles quantos deles apertam o botão e se registram. Eram cerca dez por cento. Esses dez por cento são muito interessados, porque vêm às conferências. Mas não há como projetar isso para o total dos usuários. Nós ouvimos as pessoas que chegam às conferências e amigos que dizem: “Eu acho que 90% das universidades usam o Moodle de alguma forma”. Mas nao temos como saber. O que sabemos é que os professores levam uma certa operacionalidade consigo e dividem isso, relatam suas habilidades para outros professores que estão em outros locais e assim vão compartilhando as ferramentas.

O CensoEAD, da ABED, indica que 50% das instituições de ensino não conectam o LMS ao sistema acadêmico. É um campo grande para crescer, não é?
Bem, o Moodle não é como uma companhia com interesse em crescer nesse mercado. Eu acredito que é possível encontrar soluções de código aberto para essas áreas e essas questões em que há companhias interessadas em crescer, é possível encontrar idéias que coloquem as pessoas em contato e isso faça crescer o número de soluções. Mas não é uma relação comercial com o Moodle, que não ganha dinheiro das instituições de ensino.

Mas a cadeia produtiva do Moodle tem interesses comerciais. Como lidar com essa cadeia?
É um círculo em que todos têm interesses específicos. Nós temos que pagar desenvolvedores, e o dinheiro para isso vem dos parceiros. E os parceiros, por sua vez, ganham dinheiro oferecendo serviços que poupam o tempo das pessoas. Tempo é dinheiro. Se uma universidade precisa passar meses fazendo um trabalho, ou resolvendo um problema que surgiu, pode ser mais útil chamar alguém que faça aquilo rapidamente, que conheça bem e conserte o problema etc. Mas não interferimos em como os parceiros fazem isso, o foco do Moodle não é o dinheiro, é a educação, estamos totalmente focados em buscar soluções que facilitem o ensino, e acho que isso faz essa rede funcionar.

Como são feitas essas inovações?
O roadmap do Moodle conta basicamente com três recursos. Há a própria equipe e uma comunidade colaborativa que traz códigos, leva soluções e mantém contato constante com a equipe. Hoje , 60% do código é escrito pela própria equipe do Moodle. Uma outra parte vem dos parceiros que vão dizendo que seus clientes precisam disso e daquilo e eles vão desenvolvendo ou apresentando as demandas. Por fim, há uma associação de usuários do Moodle, que pagam um valor para essa associação (cerca de 300 reais por ano cada um) e decidem em conjunto o que fazer com esse dinheiro conforme o que necessitam, eles pagam a equipe para fazer o que eles querem. Veja, (abre um aplicativo no celular dele), dá para ver que entre os membros da Associação de usuários do Moodle há só três brasileiros, e são indivíduos, não são universidades , e o que se paga é muito pouco para uma universidade. Mas é uma boa maneira de financiar projetos e colocar as 45 pessoas da nossa equipe para trabalharem de alguma forma na direção do que eles sugerem

No ambiente tecnológico tem havido mudanças constantes. Quais são os desafios que o Moodle está enfrentando?
Na questão do celular há um grande desafio, estamos investindo muito tempo num aplicativo que pode sincronizar qualquer site Moodle. Uma instituição pode pedir uma versão customizada do aplicativo, então ele surgirá como um aplicaticvo da própria instituição, com a logomarca dela, toda a identificação visual dela. É um serviço do Moodle e sai bem mais barato do que a instituição desenvolver por conta própria.

Que desafios há no ambiente da internet?
Há uma pressão do Google e da Microsoft, que entram na área educacional, mas penso que eles entram com uma visão muito, muito simplista da questão educacional. Então o que temos que fazer é ter o maior número possível de desenvolvedores para deixar o Moodle com maior potencial de uso. Tornar o Moodle mais forte em sua área e mais utilizável do que os demais é um desafio.

Qual é a vocação do Moodle? Ser inovativo e propor inovações, ou ser uma boa plataforma para inovações de outros?
Os dois, eu acho. Há inovações do Moodle que, mesmo após dez anos de lançamento, ainda não são utilizadas. Nós nos empenhamso para tornar as características fáceis de serem utilizadas. Agora, é algo feito para que as universidades façam a coisa crescer, para que elas peguem e trabalhem com aquilo de acordo com suas necessidades.

Mas qual é o limite? Onde o Moodle deve parar para que os usuários iniciem sua inovação?
Bem, inovação, do nosso ponto de vista, é simplicidade, é tornar a coisa mais fácil, não perdendo de vista que o que fazemos é para professores. O ideal da inovação é evoluir como um forno de microondas. Antes os microondas tinha vinte botões, muitos não eram utilizados. Os novos microondas vêm com um botão grande e principal, que faz o serviço que precisa ser feito, não é necessária muita inteligência ou esforço, basta apertá-lo. Isso é ser inovativo. Se fizermos isso está bem.

Quais são as tendências mundiais para o LMS?
O LMS vai desaparecer, no sentido de que ele vai existir ainda, mas será invisível. Ele estará distribuido por diversos equipamentos. No futuro nós vamos falar com os computadores, como já se faz em alguns ambientes da Amazon ou a Siri da Aple. Há também a realidade aumentada, que pode elevar o nível de experiências provenientes de um LMS. De qualquer forma, sempre que você tiver uma experiência, uma atividade ou interação qualquer, isso vai para um LMS,que trabalhará com isso. Mas não no formato como é hoje, uma interação em uma tela de computador.

Será algo parecido com a “internet das coisas”?
Não se deve perder de vista que o LMS é um instrumento para professores, que trabalham em instituições e pretendem ensinar coisas. É mais do que simplesmente uma experiência individual com equipamentos, pois o que está acontecendo ali é que se está ensinando algo. Professorres sempre vão existir, sempre haverá pessoas querendo aprender. O que muda é a experiência de como isso se dá. O foco do Moodle e dos LMS sempre será a educação. Nossa missão é dar suporte a professores, nós não vamos para outro lugar além disso.

Fonte: Ache seu Curso
Publicado em: 26/09/2016