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Dom, Maio

David Cavallo: Tecnologia e Aprendizado

Notícias EAD

Pesquisador do MIT, David Cavallo discute as principais tendências do uso da tecnologia em sala de aula e modelos que podem ser aplicados à realidade desigual no Brasil.*

David Cavallo é referência internacional no uso de tecnologias digitais na educação

O elemento mais importante a abordar aqui talvez seja o uso da tecnologia no contexto da "sala de aula". Se tratarmos dos usos da tecnologia para a aprendizagem, ou para a investigação, a criatividade, a realização consciente, o Co-design e a cocriação, resolver de forma colaborativa problemas complexos (como em jogos com multijogadores), então, usos muito diferentes nos vêm à mente. Estamos acostumados com falta de poder de ideias e tecnologias nas salas de aula. No entanto, realmente não deveríamos aceitar isso.

Os usos mais poderosos das novas tecnologias para a aprendizagem devem estar mais presentes na sala de aula do que em outros lugares, já que a sala de aula é o lugar fundamental para a aprendizagem. Infelizmente, esse não é o caso. Enquanto as tecnologias computacionais criaram as condições para o crescimento rápido sem precedentes de conhecimento e aprendizado, não tiveram o mesmo impacto em nossas escolas, em qualquer lugar do mundo.

Todos aceitam que o mundo mudou fundamentalmente nas últimas décadas, e o ritmo das mudanças continuará a aumentar. Deve ser óbvio que a tecnologia computacional está na raiz dessa transformação. Qual outra razão poderia ser? Os seres humanos não se tornaram mais inteligentes tão rapidamente através da evolução. Em vez disso, a tecnologia digital é usada para explorar, modelar, expressar rapidamente ideias, testá-las, receber feedback, modificar as ideias e continuar o processo até chegar a um nível de satisfação; assim, visualizar, colaborar, comunicar e criar mundos para exploração permitiram o crescimento do conhecimento que transformou praticamente todos os campos e criou campos totalmente novos.

Esses poderosos usos para aprender devem prevalecer nas salas de aula. Infelizmente, o que prevalece é um uso contínuo da tecnologia para transmitir informações sobre fenômenos e ideias a estudantes relativamente passivos, pois isso se encaixa mais com modelos de escolas anteriores.

O que é ainda mais estranho é que mais e mais de nós estamos tendo experiências tão poderosas fora da escola, mas continuamos a reproduzir modelos empobrecidos de aprendizagem, apesar das evidências e de nossas próprias experiências. Felizmente, as crianças estão conseguindo mais acesso a esses poderosos usos e deixarão de respeitar os usos empobrecidos.

A desigualdade é um grande problema. É responsabilidade da educação pública e dos governos democráticos fornecer tais experiências de aprendizagem a todas as crianças. Infelizmente, aqueles com mais recursos também estão recebendo maiores oportunidades. Isso precisa mudar imediatamente, uma vez que a desigualdade é um flagelo na sociedade, criando um mundo injusto e insustentável.

Por outro lado, há uma enorme quantidade de modelos exemplares de uso da tecnologia para aprender, inclusive no Brasil e no Rio de Janeiro. De fato, alguns dos melhores usos da tecnologia para aprender foram criados no Brasil e praticados há mais de 30 anos. O Brasil tem uma incrível história de inovação para o aprendizado, inovação com o uso da computação e a adoção de novas ideias e tecnologias. O Brasil tem a maior taxa de uso per capita de redes sociais, de escrita e publicação de imagens e vídeos, mesmo com a desigualdade de acesso.

Portanto, o que tem sido lento para mudar não é o abraço e o uso sofisticado da tecnologia digital. Pelo contrário, é o ambiente da sala de aula. Ao invés de abraçar atividades de aprendizado mais poderosas habilitadas pela tecnologia, os educadores e os administradores continuam contentes com o simples uso da tecnologia para transmitir lições, como é mais comum na aprendizagem à distância. O poder na tecnologia não é apenas na sua capacidade de transmitir informações.

Em vez disso, o poder único e transformador é como uma ferramenta pode ser usada para imaginação, design, criação, construção e colaboração. Estas são formas de aprendizagem mais ativas. E as pessoas aprendem melhor quando estão ativamente envolvidas em projetos de interesse. A tecnologia computacional permite isso e não apenas a transmissão de palestras e a apresentação de textos.

Há um segundo aspecto essencial que deve ser abordado. Enfocamos principalmente a criança individual, o que, é claro, é essencial. No entanto, também devemos abordar como o sistema educacional pode aprender para mudar. Seymour Papert e eu achamos útil aplicar o modelo da economia, pensando em micro e macro escalas, para melhor compreender determinados fenômenos.**

É evidente que o sistema educacional não muda apenas por ser informatizado. Não importa o quão maravilhoso seja um novo plano de reforma, ideia piloto ou um novo currículo, se não prestarmos atenção a como o sistema e seus componentes podem aprender a implementar verdadeiramente as novas ideias. Dessa forma, permaneceremos enfrentando os problemas de um sistema educacional que não atende às necessidades de um mundo em rápida mutação.

Nós temos exemplos de como os sistemas podem mudar e as organizações podem aprender, dentro e fora do campo educacional. Assim como os estudos organizacionais aprenderam a importância da aprendizagem e de como criar um ambiente de aprendizagem, também precisamos prestar atenção nisso na implantação da transformação educacional. Apenas criar um plano maravilhoso é insuficiente para alcançar as mudanças desejadas. Precisamos pensar melhor sobre como implementar as mudanças em todo o ecossistema educacional ou então continuaremos a ser frustrados com a falta de mudança apesar do investimento.

Existem exemplos fortes de aprendizagem sistêmica, bem como de indivíduos. Não só existem precedentes em grandes organizações das quais podemos aprender, mas alguns países conseguiram mudar drasticamente seu sistema educacional, aumentar a equidade e uma abordagem mais progressiva da educação. A Finlândia, talvez, seja o melhor exemplo disso.

Ainda assim, precisa-se desenvolver algo novo que se encaixa no país e seus ideais e princípios, fornecendo tempo, continuidade e recursos suficientes para que as mudanças ocorram em todo o sistema; "depurar" a abordagem para que o que não funciona tão bem quanto esperado possa ser melhorado e as surpresas agradáveis surgidas possam ser reproduzidas (isto é o que eu mencionei em outro lugar como "design emergente"); abordar todo o sistema e não apenas as partes individuais; concentrar-se na aprendizagem e, como existe na Finlândia, desenvolver professores que sejam pesquisadores em aprendizagem.

Há tantos exemplos de poderosa aprendizagem em micro escala facilitada pela tecnologia que hesito em mencionar alguns para não desvalorizar os outros. Encontrar exemplos poderosos é relativamente fácil. Mais uma vez, penso que os principais fatores fundamentais incluem a criação de um ambiente para a aprendizagem ativa, construtiva e expressiva, usando a tecnologia como material criativo; facilitação por adultos apaixonados e experientes; concentrar-se na aprendizagem ativa e não apenas na recepção passiva de informações.

Vou mencionar dois exemplos em que estive pessoalmente envolvido aqui no Brasil. Desenvolvemos, em colaboração com as escolas públicas de São Paulo e simultaneamente nas escolas da Fundação Bradesco, um projeto chamado "A Cidade que a Gente Quer", inspirado nas ideias de Paulo Freire, nos quais os alunos imaginaram e conceberam ideias de como gostariam de ver sua comunidade melhorada. Em seguida, criaram modelos computacionais funcionais de suas ideias. Através da construção usando materiais computacionais, eles precisavam aprender e aplicar ideias importantes da matemática, da física e de outras áreas técnicas, mas também aplicavam suas ideias à área de humanidades.

Os estudantes também tiveram que documentar seus projetos, que não só forneceram desenvolvimento para suas habilidades de comunicação, mas também forneceram uma base para a reflexão sobre as ideias. Por causa do tema gerador da melhoria da comunidade combinado com a democratização do projeto, estudantes se envolveram, mesmo estudantes que anteriormente odiavam a escola e não estavam bem. Além disso, ao ter que aplicar as ideias de computação, engenharia, matemática e ciência, os conhecimentos que teriam que ser usados mais tarde não foram perdidos, mas assimilados com sucesso para que os projetos funcionassem.

Outro exemplo é um pouco diferente e ocorreu em uma escola rural no Rio Grande do Sul. Uma pequena escola foi selecionada para que todos os alunos e professores recebessem laptops ou tablets para incorporar ao ambiente de aprendizagem. Uma das professoras mais velhas estava bastante assustada no início, preocupada por não poder dominar suficientemente a tecnologia para usá-la para o ensino. No entanto, como uma grande professora, ela se importou profundamente com seus alunos e os reconhecia como protagonistas.

A professora estava aberta para permitir que os alunos seguissem projetos de interesse. Ao invés de tentar ensiná-los sobre essas áreas, ela ajudou os alunos a pesquisar os projetos (os alunos escolheram o sistema solar, entre outros, como um dos principais objetivos de estudo) e ajudou a encorajá-los e discutir sobre como melhorar os projetos e aprofundá-los, usando a tecnologia não só para pesquisar, mas para construir modelos e demonstrações. Os alunos avançaram para projetar veículos que praticamente explorariam o espaço, construindo modelos de como seria a vida em outros planetas, o que teria que ocorrer para tentar habitá-los, o quão grande poderia ser para se mover em Júpiter e assim por diante. Ao invés do desastre que a professora temia, a nova oportunidade proporcionou um potencial de aprendizagem para seus alunos e para ela.

Outra professora da mesma escola não teve tanto sucesso. Ela costumava tentar ensinar a ler e escrever através de parágrafos no quadro-negro e mandando seus alunos copiá-los para os cadernos. A professora ficou satisfeita em dar aos alunos um link para os parágrafos que ela esperava que eles copiassem em seus dispositivos. Não surpreendentemente, isso não funcionou bem. Isso demonstra que o que é crítico não é a mera posse de dispositivos, mas em que atividades de aprendizado os alunos e os professores se envolvem.

*David Cavallo é pesquisador do Massachusetts Institute of Technology. Este texto faz parte de uma série resultado de uma entrevista feita por João Paulo Barbosa através de e-mail.

**Seymour Papert (1928–2016) foi um matemático e proeminente educador do Massachusetts Institute of Technology (MIT), ficou conhecido pelo uso de computadores na educação.

Fonte: Revista Educação e Vida.