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Qui, Maio

Youtubers democratizam o acesso à educação: conheça principais canais

Notícias EAD

Especialistas discutem como é possível tornar mais tecnológico o aprendizado dentro das escolas

Desde criança, duas coisas estiveram claras na cabeça de Paulo: amava os seres vivos e queria ser professor. Só não imaginava o rumo que a carreira tomaria. Formado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina, lecionou dez anos em cursinhos e colégios, até perceber que algo estava errado. “Os alunos estavam dispersos por conta dos smartphones que surgiam”, lembra. “Minhas aulas não funcionavam mais.”

Foi demitido da escola em que trabalhava após dar uma bronca em alunos bagunceiros. De tão desanimado, considerou seriamente parar de vez com as aulas. Mas aí teve uma sacada. Percebeu que a tecnologia não era inimiga do ensino, pelo contrário. Ficou claro que tinha potencial de ser sua maior aliada. No fim de 2011, gravou algumas aulas e postou os vídeos na internet — deu tão certo que acabou trocando a sala de aula pelo YouTube. Hoje, todos o conhecem como Professor Jubilut, do Biologia Total, canal com mais de 1 milhão de inscritos.

O projeto cresceu e se tornou uma plataforma de estudos completa, com site próprio e cursos exclusivos, cujas mensalidades partem de R$ 17. “Hoje somos uma empresa de 25 funcionários. Fizemos vídeos na África para explicar sobre os animais de lá”, conta o edutuber (como são apelidados os youtubers de educação). Jubilut é tão querido pela moçada que tem até um fandom: os JubiAlunos. Nunca perdem uma JubiAula.

Além do Biologia Total, outros também extrapolaram os limites do YouTube — a maioria dos edutubers busca usar os canais para alavancar as próprias plataformas de ensino, onde conseguem ganhar mais com o conteúdo. Eles lucram, e os estudantes gastam menos que em cursinhos convencionais. Essa economia foi fundamental para Jhosen Congeta, de 27 anos, que cursa o primeiro ano de medicina na USP de Ribeirão Preto.

O objetivo de se tornar médico parecia um sonho distante para o jovem de infância pobre, nascido e criado em Belo Horizonte (MG). Estudou a vida toda em escolas públicas e não chegou a concluir o Ensino Médio: ele obteve o certificado de conclusão através do Enem. Mas Jhosen estava determinado a não desistir.

Conciliando o trabalho de vendas online e o cursinho, o rapaz descobriu em 2013 as aulas pela internet (dentre elas as de Jubilut) e se apaixonou. “Economizava o tempo de trajeto até o cursinho, além de não precisar copiar o conteúdo do quadro”, conta o jovem, que virou uma espécie de embaixador do ensino a distância. Para ele, distrações como as redes sociais são contornáveis.

O método caiu como uma luva para Jhosen e, após três anos de intensa preparação, foi aprovado em primeiro lugar de medicina na USP de Ribeirão e também em várias universidades federais, graças ao ótimo desempenho que obteve no Enem. “É uma realização”, afirma. “Todos pensavam que seria impossível, até meu pai me pedia para colocar os pés no chão.”

Jhosen não é o único que gosta de estudar com auxílio da tecnologia. Segundo dados do YouTube, 65% dos usuários procuram a plataforma quando querem aprender: todos os dias, conteúdos educativos têm 500 milhões de visualizações. São assistidos por quatro vezes mais tempo do que vídeos fofos de gatinhos.

Usar recursos audiovisuais para ensinar também é a praia do norte-americano Jonathan Bergmann, professor de Química. Ele é um dos criadores do método da “sala de aula invertida”, que vem ganhando atenção. A ideia é simples: antes de ir para a escola, os alunos devem assistir a vídeos sobre o conteúdo. Assim, o tempo em classe fica menos expositivo (e entediante) e mais “ativo”.

“A magia está em fazer com que os alunos discutam, perguntem, criem e desenvolvam relacionamentos”, relata Bergmann. “Há estudos que provam que esse é o melhor método de ensinar, não vejo pontos negativos.” Os estudantes parecem concordar. Segundo levantamento da Quizlet, plataforma de aprendizagem gratuita, 74% dos alunos usam tecnologia para estudar em casa, mas só 37% podem usá-la em classe. “O maior problema da educação é a tradição”, aponta o químico. “Temos medo de mudar, mas todos os outros sistemas estão desenvolvendo formas mais eficazes de funcionamento”, argumenta. “A educação, não.”

Matemática Pop
Com 27 milhões de inscrições, em 240 canais, a plataforma oficial de vídeos educacionais do YouTube, chamada YouTube EDU, é mantida pelo Google em parceria com a Fundação Lemann. A marca reúne conteúdo de excelência com uma espécie de selo de qualidade. Dos canais ativos na plataforma, a grande maioria é de matemática: são 88. Um deles é o do professor Daniel Ferretto, que possui mais de 1 milhão de inscritos — logo deve alcançar o colega Jubilut. Eles lecionaram juntos em um cursinho de Florianópolis.

Ter um canal direcionado à matemática, matéria em que alunos têm mais dificuldade, contribuiu para a popularidade de Ferretto: “Não quero desmerecer as outras disciplinas, mas para estudar matemática é preciso de auxílio e segurança”, afirma. “Alguns outros conteúdos, basta que o aluno se sente e estude.”

Hoje, Ferretto está mais focado em desenvolver conteúdos para sua plataforma paga — com cursos a partir de R$ 15 ao mês — do que para o YouTube. Só que ele planeja fechar as portas (ou melhor, os servidores) da própria empresa daqui a alguns anos. “Quero disponibilizar todo o conteúdo de graça”, conta Ferretto.

Democratizar o conhecimento é essencial em um país com tamanha desigualdade educacional. Dados da ONG Todos Pela Educação mostram que, em 2015, apenas 7,3% dos alunos saíam do Ensino Médio sabendo o esperado em matemática. Rafael Procópio, do canal Matemática Rio (900 mil inscritos), coleciona casos sobre o poder de democratização do YouTube. Certa vez, recebeu um comentário de um índio amazonense que viajava três horas pelo rio até Manaus só para assistir aos vídeos do canal e estudar para o vestibular de engenharia. Em outra ocasião, uma mãe comentou que a filha estuda na escola rural de um dos assentamentos da reforma agrária no Mato Grosso do Sul. “Adivinha como ela tira as dúvidas? Obrigada por existir!!!”

Procópio também se recorda de um encontro que teve com Pedro Bial, jornalista da Globo, no avião. Para sua surpresa, Bial o saudou pelo nome. “Ele contou que os filhos me assistiam para tirar dúvidas.” Com as mesmas videoaulas, o professor ensina matemática ao índio da Amazônia e aos filhos de um apresentador famoso.

A rede YouTube EDU, onde também estão Jubilut e Procópio, tem quatro embaixadores. Um deles é Carina Fragozo, do canal English in Brazil (490 mil inscritos). Professora de inglês, vem de família humilde e não pôde pagar curso de línguas. Foi daí que surgiu a ideia de compartilhar videoaulas: “Sempre quis ter um blog para dar aulas gratuitas”, comenta. “Recebo mensagens de senhoras de 70 anos dizendo que nunca tiveram oportunidade de aprender, mas começaram graças a mim — é gratificante.”

Dados do Ministério da Educação (MEC) mostram que 80% dos professores são mulheres, mas na lista de canais do YouTube EDU, elas são apenas cerca de 15%. Fragozo acredita que um dos motivos é a falta de incentivo para garotas se envolverem com tecnologia: “Quando recebo elogios a respeito da edição dos meus vídeos, me perguntam se foi meu marido quem editou”.

Ensino em grupo
Nem só de professores em “carreira solo” os canais são feitos. Coletivos como o Descomplica unem profissionais de diversas áreas: além das aulas, analisam temas quentes do noticiário. “A gente tenta desmistificar o fato de que a educação é algo rebuscado”, pontua Eduardo Valladares, professor de português e gerente pedagógico da plataforma. Ele defende que a educação deve ser levada menos a sério. “Tem de ser simples, fácil, acessível e divertida.” Por isso, diz, a internet veio para somar (não competir) com a escola.

Outra técnica promovida pelo coletivo é o peer learning, ou aprendizagem recíproca, na qual os vestibulandos se ajudam e aprendem juntos. Viram mentores uns dos outros. A lógica é colocada em prática no Guia do Estudo Perfeito (GEP), grupo de Facebook com mais de 30 mil membros criado pelo Descomplica. Sempre focados em provas e vestibulares, os alunos aproveitam o espaço para trocar de tudo um pouco: desde dicas de estudo e resumos de matéria até mensagens de apoio. Rolam inclusive transmissões ao vivo por ali. O projeto fez a paraense Allana Beatriz Aguiar se apaixonar pelo coletivo e se tornar embaixadora do GEP.

“Somos alunos que engajam outros alunos a fazer algo proativo dentro dos estudos, o que é fundamental para se manter dentro da linha, pois há apoio para continuar estudando mesmo cansados”, conta a jovem, que se prepara para o vestibular de medicina. Ela usa o Descomplica como base para os estudos. Alguns fatores que justificam a escolha são praticidade e preço mais atrativo que o de cursinhos presenciais.

NUNCA É CEDO PARA PROGRAMAR
Outro bom exemplo do aprendizado entre pares acontece em uma saleta na ONG Nova Era Novos Tempos, de Mauá, Grande São Paulo. O professor ensina programação em meio aos computadores ocupados por crianças da comunidade. Vez ou outra, usa um banquinho para ficar maior que seu 1,40 metro de altura — na média, para um garoto de 11 anos.

Nas manhãs de segunda-feira, antes de ir à escola para cursar o sexto ano, Matheus Moraes dedica duas horas ao próprio projeto social, o Cyber Educa, onde dá aulas a meninos e meninas de sua faixa etária para que aprendam a criar games. Teteus, como é chamado, começou sua história com a programação aos sete anos. “Uma semana depois que aprendi a ler, meu pai falou: você vai aprender a programar”. E aprendeu. Com apoio do pai, Michael Moraes, profissional da área, dominou o Scratch: linguagem ideal para jovens por funcionar como Lego, à base de blocos. Nas aulas, Matheus usa apostilas livres da rede Code Club, clube de programação para crianças presente em 125 países.

Teteus ama astronomia: vive divagando sobre buracos negros e viagens na velocidade da luz. Deseja transmitir dois conceitos importantes que vêm de brinde com a habilidade de programar: a lógica de programação e o pensamento computacional. “São coisas que se leva para a vida inteira”, diz o menino prodígio, magricela e com cabelos castanhos ondulados que caem até abaixo dos ombros. “A lógica de programação é uma forma de ordenar procedimentos para realizar tarefas, enquanto o pensamento computacional analisa e resolve problemas.”

Para Matheus, que já palestrou na Campus Party e virou embaixador da IBM, programar é uma ferramenta poderosa para os mais novos, porque “amplifica a imaginação da criança, permite fazer de tudo, sem limitações”. O aluno Gabriel Rocha, do nono ano, três anos mais velho que o professor, concorda. “Tudo que aprendo aqui me ajuda na escola, principalmente em matemática e interpretação de textos”, orgulha-se. “Essas aulas são divertidas para as pessoas que querem mesmo aprender.” Em fevereiro, Matheus criou seu canal no YouTube, Teteus Bionic, agora com mais de mil inscritos. A ideia é usar videoaulas para levar seu ensino muito além do espaço apertado de Mauá. E, já com toda a pinta de youtuber, Teteus pede: “Por favor, se inscrevam no meu canal, compartilhem e deem like nos vídeos”.

Mas se a programação é tão empoderadora quando aprendida desde cedo, por que ainda não está nas escolas? Não é de hoje que se discute a importância de incorporar tecnologia ao currículo — quem esteve em idade escolar nos anos 1990 se lembra bem das (não tão queridas) aulas de informática. Mas essa cultura se perdeu com a virada do milênio e as escolas não souberam lidar com o boom tecnológico. Vários estados aprovaram leis que proíbem o uso de celulares em sala, regra que começa a ser revista diante do potencial educacional dos dispositivos. Em programação, as iniciativas são isoladas: a Prefeitura de São Paulo pretende incluí-la no currículo do Fundamental em 2018.

Enquanto isso, grandes empresas de tecnologia investem em projetos para suprir a falta de uma política nacional. Em agosto, o Facebook abriu em São Paulo a Estação Hack, centro de educação tecnológica com bolsas para jovens interessados em programar. Já a Microsoft disponibiliza cursos online gratuitos em TI.

Para Adelmo Eloy, coordenador de projetos do Instituto Ayrton Senna, que gerencia iniciativas de programação nas redes públicas de ensino, não é bondade o que leva essas empresas a isso: o interesse é mercadológico. Dados da Associação para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex) apontam que o Brasil pode chegar a 2022 com um déficit de até 408 mil profissionais de TI. Só as universidades não dão conta de formar essa mão de obra.

“Vemos a oportunidade de ter o ganha-ganha: atender à demanda do mercado, mas promover o desenvolvimento de competências importantes para o jovem do século 21”, afirma Eloy. Com essa ideia, o Instituto Ayrton Senna realizou em setembro um evento para discutir questões tecnológicas e educacionais: a Expo>>> Educação + Tecnologia + Futuro. O debate sobre programação nas escolas foi acalorado.

Camila Achutti tem 25 anos, mas já fez mestrado em Ciência da Computação pela USP e fundou a startup Mastertech, voltada à educação em tecnologia. Defende que programar é tão importante quanto aprender a ler e escrever foi no século 19. “Não precisa ir tão longe, Buenos Aires tem política pública de programação, não é algo só para país desenvolvido.”

A empreendedora e ativista por uma maior presença feminina na computação acredita que sair da inércia e perder o medo de errar seja o único jeito de reverter um anacronismo. “Temos um sistema educacional do século 19, com professores do século 20 ensinando alunos do século 21”, ela diz. “Ninguém sabe as respostas — e está tudo bem.”

Já Regina Gavassa, coordenadora de informática educativa da rede municipal de ensino de São Paulo, não apoia imposições. “Obrigar a algo é sempre estranho”, rebate. “O que muda a educação é o professor e o aluno, no diálogo.” Mas todos ainda esbarram no problema mais básico: a infraestrutura. Para 60% dos professores, a falta de internet é o maior entrave para o avanço das tecnologias educacionais nas escolas públicas, sobretudo no Ensino Fundamental. Nenhuma dessas discussões faz sentido quando faltam computadores.

Sem medo de errar
Outro grande gargalo é a capacitação dos educadores. “O que a gente faz com o professor é até meio cruel”, afirma Lúcia Dellagnelo, diretora do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (Cieb). “Queremos que incorpore tecnologias, mas não oferecemos um lugar onde possa testá--las”, diz. A associação que surgiu para implantar a cultura de inovação na educação pública brasileira ouviu as demandas dos professores e buscou referências no exterior para criar o EfeX — espaço de formação e experimentação em tecnologias educacionais.

Lembra do conceito de peer learning? “É um espaço onde o professor vai poder experimentar a tecnologia com seus pares antes de se expor na frente dos alunos, assim eles aprendem um com o outro e criam juntos os próprios planos de aula”, explica Dellagnelo. Até o final do ano, os primeiros cinco centros devem ser inaugurados. Nesse laboratório, educadores poderão experimentar sem medo de errar. Iniciativas assim são uma alternativa para que os professores da rede pública possam explorar treinamentos além daqueles oferecidos pelo governo.

No 4º Fórum Nacional de Educação e Inovação, realizado em outubro, o ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), afirmou que são destinados R$ 1,5 bilhão à formação dos docentes. Na sua fala, destacou uma agenda de mudanças no MEC para priorizar a educação básica — na última década, os investimentos foram canalizados ao Ensino Superior. Está prevista para o início de 2018 a Base Nacional Comum Curricular, reivindicação antiga de pedagogos para unificar os currículos das escolas públicas e privadas, definir prioridades em todos os níveis de ensino e pautar os vestibulares. Mendonça Filho deu a entender que programação e robótica estão cotadas para a base. “É uma coisa que tem merecido atenção por parte do Ministério e uma demanda crescente das redes estaduais e municipais de educação”, afirma. “Vamos apoiar com materiais e formação de professores, dividindo a responsabilidade com estados e municípios.”

Essas tendências que aos poucos penetram as escolas são reflexo do Movimento Maker, que defende o valor de fazer as coisas com as próprias mãos e de aprender na prática com base em projetos. Os “fazedores” mais famosos do Brasil são Iberê Thenório e Mariana Fulfaro, donos do segundo maior canal de ciência e tecnologia do mundo no YouTube. Com quase 9 milhões de inscritos, os 1,3 mil vídeos do Manual do Mundo foram assistidos mais vezes do que o número da população da China — 1,5 bilhão de views.

“Lembro que falava para meu pai que 50 mil inscritos seria nosso limite, que não tinha tanta gente interessada no que íamos falar”, conta Iberê, que criou o canal em 2008. Atualmente, recebem esse número de inscrições por mês. Estão às vésperas de lançar a primeira superprodução: o quadro SciTruco, game show no YouTube com perguntas de ciência e mecânica de truco. Para os primeiros 20 episódios, convidaram youtubers de 22 canais para atividades como a batata quente da tabela periódica — têm de jogar o tubérculo e recitar os elementos na pressa. “É uma batatona de Itu”, brinca Mari.

Com 30 ideias de séries engatilhadas, tiram da fila umas três por ano. O segredo do sucesso é que os vídeos são pensados para entreter toda a família. “Tem que pensar que o menino de oito anos vai ter que entender e o avô de 80 também”, conta Iberê, que em outra vida já trabalhou como jornalista de redação. “A gente ensina desde como fazer um avião de papel até como furar parede ou como funciona uma hidrelétrica.” Os dois se consideram contrabandistas do conhecimento: como o espectador se diverte, aprende sem perceber.

É por isso que não são um canal de educação, mas de entretenimento educativo. Mesmo não ensinando em escolas, estão na sala de aula. “Professores usam nosso conteúdo, que é leve, para prender a atenção dos alunos — e normalmente funciona”, diz Mari. “Chega um monte de mensagem de gente que acertou questão no Enem ou em vestibular por causa do Manual do Mundo.” Iberê acredita que a robótica é um dos melhores meios de fazer o aluno se interessar por conteúdos de matemática, lógica ou eletrônica de um jeito divertido. “Acho mais fácil a revolução acontecer no YouTube, as escolas são travadas e burocráticas”, diz.

Outro medidor da influência são os relatos de pessoas que seguiram carreiras em engenharia ou ciência graças aos vídeos: cada encontro com fãs revela uns três ou quatro casos, contam. “O mais louco é o cara todo barbudo, se formando em Física, dizer que escolheu fazer por causa da gente”, conta Iberê. “Aí você se toca que o negócio tem nove anos: quem hoje tem 22 assistia com 13.”

Beakman brasileiro
Outro youtuber sem vínculo com o ensino formal que tem produzido conteúdo educativo é Felipe Castanhari, criador do canal Nostalgia. Prestes a completar 28 anos, há não tanto tempo frequentava a escola de Osasco, sua cidade natal. “Era um aluno desinteressado”, diz, culpando o sistema de ensino “errado e arcaico”. O gosto por artes o levou a cursar design gráfico e animação 3D, bem na época em que criou seu canal no YouTube, em 2012.

Com a proposta de relembrar coisas nostálgicas da infância, aplicou o background de designer e foi além do vlog clássico. Bombou. Hoje, tem mais de 10 milhões de inscritos e é a nona personalidade mais influente do Brasil, segundo estudo encomendado pelo Google. “Tomo cuidado para não ser responsável por desinformação”, diz Castanhari. “Fico feliz [com a fama], mas acho preocupante que tanta gente não se importe muito com isso e acabe usando essa influência só para benefício próprio.”

Ele aproveitou-se da popularidade para investir em conteúdos aprofundados e com cuidado estético. Criou documentários, como um vídeo de quase duas horas sobre os Beatles. Extrapolou a cultura pop para abordar também história, geopolítica e atualidades, com roteiros elaborados junto de especialistas. “Eu sempre quis ser divulgador de ciência, ajudar a explicar as coisas em uma sociedade onde o terraplanismo está se difundindo e coisas absurdas entram em pauta.” Notou que esse tipo de conteúdo perdeu espaço na TV aberta e resolveu oferecê-lo à “molecada” na própria linguagem: assim nasceu a série de vídeos Nostalgia Ciência.

“Sou apaixonado pelo cosmos, me aprofundo muito”, diz Castanhari. Com referências como Carl Sagan, Neil deGrasse Tyson e o personagem Beakman (que lhe é nostálgico), lançou em julho o primeiro episódio, que conta como foi o surgimento da Lua: teve mais de 2 milhões de visualizações. O segundo, sobre a extinção dos dinossauros, já quase atingiu a mesma marca.

“Conteúdos desse tipo incentivam crianças a seguir o caminho da ciência, que todos precisam para a evolução da sociedade.” Castanhari quer ser uma espécie de Beakman — criou o projeto com a ideia de levá-lo futuramente à TV. Por isso, animações e trilha sonora são criadas do zero, o que demanda tempo e dinheiro, trabalho que não costuma fazer parte da rotina dos vloggers. Seus vídeos também têm sido transmitidos em sala de aula. “Fico feliz que meu canal faça parte disso, não na totalidade, mas pelo menos em alguns projetos.”

História na quebrada
O Se Liga Nessa História também vem obtendo bons resultados com animações. Criado pelo historiador Walter Solla, da USP, e pelo animador Ary Neto, que deixa as videoaulas lúdicas e cuida dos negócios, o canal faz uma ponte entre o conhecimento acadêmico e a comunicação cotidiana das pessoas. A ideia é apresentar conteúdos de Enem e vestibulares em linguagem popular.

“Sou da periferia de São Paulo, da Zona Leste, ali perto do Rio Aricanduva: quando chovia forte uns 20 anos atrás, a prefeitura ligava e pedia pra gente correr”, brinca Solla, que sempre estudou em escola pública. “A galera mais humilde conversava comigo e eu percebia que o jeito deles de falar não tinha nada a ver com a forma como os professores da USP falavam.” A partir de 2011, lecionou no ensino público e particular, até que, no final de 2014, teve a sacada de jogar algumas aulas no YouTube. Há gírias, referências do rap e elementos do teatro nos quase 300 vídeos.

Em 2016, o Se Liga Nessa História deslanchou: nasceu a plataforma de ensino, que tem mais de 2 mil assinantes e planos a partir de R$ 48. Passaram a oferecer conteúdos de outras áreas de Humanas, como Geografia, Sociologia e Filosofia.

Antes de largar as aulas presenciais, Solla notou um fenômeno sintomático: mesmo em sala, os alunos preferiam assisti-lo falando em vídeo do que pessoalmente. “A linguagem audiovisual não é mais uma alternativa, é quase uma obrigação”, afirma. Para o youtuber, não basta mais encher a lousa e sair discursando — é preciso repensar o papel do educador. Ele não é mais o único detentor do conhecimento, e sua missão deve ser estimular o protagonismo dos alunos.

Solla quer promover o estudo de Humanas com custo acessível ou gratuito. Em vídeo, ele revela o porquê. Conta que nunca se esquece de um episódio que viveu em 2006, na oficina do pai — que estudou só até a quinta série. A borracharia fica em Pinheiros, bairro de classe média alta de São Paulo, e com frequência era visitada por gente rica.

Na época, Walter entregava vegetais da quitanda vizinha para conseguir pagar o cursinho e ter chance de passar no vestibular da USP. Certo dia, um motorista de terno puxou papo com o jovem. O garoto mencionou a rotina que encarava para entrar na universidade pública e o homem fechou o rosto. Dirigiu-se com insolência ao borracheiro. “Você não tem R$ 400 por mês para seu filho poder estudar sem ter de trabalhar? Se ele continuar assim, não vai conseguir passar na faculdade.”

Foi a primeira vez que Solla viu o pai sem reação. Nos dez anos seguintes, pediu desculpas ao filho por não ter podido arcar com o cursinho. A oficina foi à falência. “Cresci escutando que as pessoas que querem, conseguem: vi meu pai trabalhando em tempo integral, ser merecedor demais e não conseguir”, conta. O episódio reforçou ainda mais suas convicções. “Queria de alguma forma fazer um curso pela internet para que ninguém tivesse que se sentir culpado por não ter R$ 400 por mês para estudar”, conclui.

E está dando certo: um de seus alunos foi Jhosen Congeta. “Graças ao ensino que o senhor me passou, gabaritei todas as questões de História do Enem e me tornarei médico”, ele agradece, pelo YouTube. “Valeu, mestre!

Fonte: Galileu