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29
Seg, Abr

Graves problemas na oferta de Educação Superior a Distância no Brasil

Notícias EAD

Este artigo visa explicitar uma tendência preocupante na oferta de Educação Superior à Distância (EAD) no Brasil, à luz de dados do Enade. Pode ser resumido em dois pontos:

Artigo assinado por Carlos Bielschowsky* para o Jornal da Ciência

1. A maioria dos cursos em EAD, em nível de graduação, vai relativamente bem, à luz de dados do Enade, quando comparados com os resultados dos cursos presenciais. Contudo, apenas cinco Instituições de Ensino Superior da rede privada concentram 58% das vagas de EAD – e seus alunos, de uma maneira geral, vão muito mal no Enade.

2. Parece-nos urgente uma intervenção saneadora por parte das autoridades educacionais, a fim de coibir abusos como os que se evidenciam em nosso artigo (Bielschowsky, 2018), que sintetizaremos a seguir.

O Brasil praticamente dobrou o número de matrículas no ensino superior desde 2005, passando de 4,57 milhões de matrículas naquele ano (Inep) para 8,05 milhões em 2016. Aparentemente avançamos mais que a média dos outros países: nossa taxa bruta de matrículas no ensino superior passou de 26 pontos em 2005 para 49,3 pontos em 2015, enquanto a média da América Latina nesse período passou de 30,0 para 44,5 pontos e a média mundial foi de 24,3 para 35,0 pontos (dados da Unesco).

Uma parcela significativa desse crescimento, cerca de 40%, foi devida ao aumento das matrículas em cursos de EAD, que passaram de 59,6 mil matriculas em 2004 para cerca de 1,5 milhão de matrículas em 2016 (Inep). Em outros termos: dos 4 milhões de matrículas adicionais no ensino superior criadas entre 2004 e 2016, 1,45 milhão foi criado na modalidade a distância.

Esse crescimento no número de alunos em EAD no ensino superior tem forte poder de transformação social, pois envolve pessoas que de maneira geral trabalham e sustentam suas famílias e que dificilmente poderiam cursar o ensino superior presencial. Além disto, por alcançar com maior facilidade diferentes rincões do País, oferece a oportunidade de qualificação para uma população que vive em cidades menores, o que por si só é muito importante, visto que favorece um desenvolvimento mais homogêneo do país.

Em 2016 tínhamos 1,49 milhão de alunos matriculados no ensino superior em EAD, em 206 instituições de Ensino Superior (IES), totalizando 1.664 cursos. Observamos um desempenho equivalente da média no Enade dos cursos em Ead e presencial, o que é sem dúvida uma boa notícia, já que mostra que a maioria das IES trata as duas modalidades de forma semelhante. Em particular, desde o início, os alunos do Consórcio Cederj (Cefet/RJ, UENF, UERJ, UFF, Unirio, UFRJ e UFRRJ) vêm obtendo bom desempenho no Enade, equivalente ao também bom resultado obtidos por essas universidades em seus cursos presenciais.

A má notícia é que 58% das matrículas de educação superior a distância em 2016 estavam concentradas em apenas cinco IES, com cerca de 870 mil alunos matriculados, sendo que a maioria de seus alunos de Ead tem apresentado resultados muito baixos no Enade. Com isto, a média Enade dos alunos de cursos com Ead distanciam-se da média Enade dos alunos dos cursos presenciais, conforme mostra a tabela abaixo:

Média ponderada global Enade Ead Média ponderada global Enade presencial
2015 1,84 2,48
2016 1,54 2,45
Em outros termos, a forte concentração de matrículas em cursos de EAD com qualidade questionável joga uma pá de cal na modalidade como um todo.

A Tabela a seguir mostra a média dos resultados do Enade 2015 e 2016 dos cursos destas cinco IES ponderados pelo número de alunos participantes do exame.

Matrículas em EAD em 2016 Enade EAD dos cursos ponderado pelo número de alunos de cada curso
2015 2016
Universidade Pitágoras – Unopar 355.329 1,46 1,32
Universidade Anhanguera – Uniderp 144.714 1,44 1,40
Universidade Paulista – Unip 140.342 1,56 1,09
Centro Universitário Internacional 131.270 1,92 1,81
Centro Universitário Leonardo da Vinci 98.656 1,77 1,35

O conceito discreto 2 representa cursos com conceito Enade contínuo entre 0,945 e 1,945; um curso com conceito discreto na faixa de 1,5 sugere fragilidades importantes que precisam ser investigadas de forma criteriosa e responsável. Os resultados no Enade dos alunos dos cursos presenciais dessas mesmas IES foram, de maneira geral, significativamente melhores, sugerindo que elas vêm oferecendo um tratamento diferenciado entre os alunos das duas modalidades.

Em particular, alguns cursos apresentam uma situação que pode levar à precarização de toda uma área, como é o caso do curso de Serviço Social, que tem quase 50% de toda sua oferta nas duas modalidades, presenciais e a distância, concentradas na modalidade de Educação à Distância em quatro dessas cinco IES, e seus alunos tiveram desempenho muito baixo no Enade de 2016. Em particular, os alunos de Serviço Social da Ead da Unopar, que tinha 35 mil alunos matriculados nesse curso em 2016, tiveram conceito Enade 1,29 em 2016.

Para complicar ainda mais esta questão, recentemente os processos regulatórios foram modificados (Decretos nº 9.235/17 e 9.057/17 e Portaria MEC 11/2017), permitindo a criação de novos polos sem vistoria prévia e abrindo brechas para o credenciamento de IES sem prévia análise pelo Ministério da Educação, como mostra o Art. 12 e seu § 2º, que reproduzimos a seguir.

Art. 12. As IES credenciadas para a oferta de cursos superiores a distância poderão criar polos EAD por ato próprio, observando os quantitativos máximos definidos no quadro a seguir, considerados o ano civil e o resultado do Conceito Institucional mais recente:

Conceito Institucional Quantitativo anual de polos
3 50
4 150
5 250
2º A ausência de atribuição de Conceito Institucional para uma IES equivalerá, para fins de quantitativos de polos EAD a serem criados por ano, ao Conceito Institucional igual a 3.
Recentemente foi noticiado na mídia, aparentemente sem contestação pelo MEC, o seguinte fato (fonte: Folha de S. Paulo): “MEC autoriza a criação de 7.700 polos de ensino a distância com nova regra. Nova regulamentação mais do que duplicou o total de locais permitidos”.

Outra preocupação é a utilização do Conceito Institucional (CI) na regulação de cursos de EAD. Mostramos em artigo recente (Bielschowsky, 2018) que o Conceito Provisório de Cursos (CP), assim como o Índice Geral de Curso (IGC), pode conduzir a fortes distorções ao ser utilizado para avaliar cursos de EAD, o que sugere a necessidade de um estudo aprofundado do tema. Acreditamos que o mesmo deva ser feito em relação ao Conceito Institucional (CI).

Com base nesse novo marco regulatório, a Secretaria de Regulação e Supervisão do MEC (Seres) encaminhou ao Conselho Nacional de Educação (Processo nº 23000.047258/2017-21) uma solicitação de credenciamento provisório de 122 IES para oferta de EAD sem qualquer vistoria ou análise do pleito, somando 240 cursos de graduação com 76.868 novas vagas para EAD. Essa solicitação de credenciamento provisório foi aprovada pela Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação em 7 de março de 2018.

Está mais do que provado ser possível obter um excelente desempenho dos alunos na modalidade a distância, como vem sendo alcançado em diversos cursos e que, em média, os cursos de EAD apresentam resultados equivalentes ao presencial. O problema está na concentração de matrículas em algumas IES com baixo desempenho em EAD, o que pode jogar por terra toda a perspectiva positiva que a oferta de Educação Superior a Distância traz para nosso país de dimensões continentais.

Sugerimos uma ampla discussão dessa questão envolvendo o Conselho Nacional de Educação (CNE); a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres); a Secretaria de Ensino Superior (Sesu) do MEC; a Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed) e a Associação de Educação a Distância das Universidades Públicas (Unirede); as associações que representam as universidades brasileiras, em particular o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (Abruem), bem como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Sugerimos também restabelecer um amplo processo de supervisão em cursos com baixo desempenho no Enade, buscando elementos para adquirir uma visão sistêmica do processo, a exemplo do que foi realizado no período 2007-2010.

Finalmente, para evitar que a situação se agrave, sugerimos que durante esse processo de supervisão seja efetivado o congelamento das novas matrículas de cursos mal avaliados no Enade, não permitindo, por exemplo, que cursos com conceito Enade discreto 1 ou 2 (Enade contínuo abaixo de 1,945) abram novas matrículas.

* Carlos Bielschowsky é professor do Instituto de Química da UFRJ e presidente da Fundação Cecierj/Consórcio Cederj; foi Secretário de Educação a Distância do MEC entre 2007 e 2010.

O artigo expressa exclusivamente a opinião do autor

Fonte: Jornal da Ciência