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26
Sex, Abr

'Não será um ano perdido se soubermos interpretar o que está acontecendo', diz secretária de educação de BH

Notícias EAD

Ângela Dalben explica porque a capital mineira é uma das poucas que não aderiu ao ensino remoto no país.

Ângela Dalben explica porque a capital mineira é uma das poucas que não aderiu ao ensino remoto no país.

Ângela Dalben, secretária de Educação de Belo Horizonte, não duvida dos benefícios da educação à distância. No entanto, ela decidiu não aderir ao ensino remoto na rede municipal, na qual estudam 202 mil alunos — decisão que vai na contramão da maioria de outras capitais e governos estaduais.

"Não dispenso a ideia, mas precisamos ter certeza que dará certo", avalia.

Acesso à tecnologia, conteúdos propostos e disponibilidade das famílias para a educação de seus filhos são as preocupações da secretária. Em entrevista à ÉPOCA, ela conta que o desafio atual é conseguir construir conhecimento em crianças utilizando a própria rotinas de suas casas.

"É preciso fazer uma mágica pedagógica. Não acho que vai ser um ano perdido se soubermos entender e interpretar o que está acontecendo", avalia Dalben.

Professor aposentada da Faculdade de Educação da UFMG, a secretária foi uma das coordenadoras da construção do curso de Pedagogia da Universidade Aberta do Brasil (UAB), que funciona virtualmente. Ou seja, à distância.

À ÉPOCA, ela também explica como as escolas têm enviado vídeos carinhosos para as crianças e, assim, descobrirem como se dá o acesso delas à internet e como a rede superará o desafio do calendário, que já haia sido prejudicado por chuvas que destruíram escolas e por uma greve de professores contra o avanço, na Câmara dos Vereadores, da proposta do Escola Sem Partido — ideia classificada por Dalben como "abomináve".

DESAFIO

Temos que construir o ano para que ninguém perca com tudo isso. Temos que fazer uma mágica pedagógica, criar novas metodologias, deixar de lado a perspectiva a risca do que está acontecendo e reconstruir. Criar uma nova forma de trabalho, tomando por base as vivências que nossos estudantes estão tendo longe da escola e que ela pode sistematizar caso tenha vínculo de sentido e significado com a vida em suas casas.

Se eu propuser reflexões, não vai ser penoso para as famílias. Vai ser agradável. Se a proposta é ter a criança junto com ela do cotidiano, a família não vai ficar nervosa, aflita, estressada. Vai entender uma nova metodologia. Essa é a mágica. Sem perder o foco nas áreas de conhecimento, mas trabalhando o processo de ensino com outro formato.

ENSINO REMOTO

Acredito na educação à distância, mas ela requer muitos cuidados, tanto na construção da proposta pedagógica, quanto no monitoramento do processo de aprendizagem. Por causa desses cuidados, tenho restrições para aderir uma proposta dessas. Sendo secretária, a proposta tinha que me garantir que todos os estudantes estariam envolvidos nessa proposta. 80% não me satisfaz. E nós fomos surpreendidos.

Não temos rotina, hábito e história de trabalho de educação à distância na rede de Belo Horizonte. No ensino superior, médio e até no segundo segmento do fundamental, com crianças de 12, 13 e 14, é possível funcionar muito bem. Mas crianças pequenas de 0 a 5 anos da infantil e do processo de alfabetização e as crianças até 11, 12 anos fica mais complicado e precisamos de uma experiência maior desse tipo de proposta pedagógica.

AVALIAÇÃO DE ACESSO

Mesmo sem aulas, as escolas não pararam. Primeiro, garantimos as cestas básicas para as famílias dos nossos alunos. Depois, começamos uma pesquisa exploratória junto dos professores para saber qual é a nossa capilaridade quando desenvolve alguma ação à distância.

Todas as escolas estão construindo videozinhos com mensagens de afeto, de tranquilidade, serenidade. Eles mostram fotos de outros momentos para as crianças lembrarem da professora, do espaço físico da escola. Elas mandam para as famílias e, assim, mostram a capilaridade com as elas.

Isso constrói um vínculo de afeto do professor com o aluno e nos permite construir um parâmetro de evidência para dizer se é possível enviar orientações para crianças em suas casas porque todas vão recebê-las.

MEDIAÇÃO DOS PAIS

Penso que substituir a escola com a educação à distância contando com a mediação dos pais é uma coisa discutível. O tipo de aprendizado na família é de natureza diferente do aprendizado sistemático da escola. Uma coisa é eu, como professora, que estou perto das famílias propondo uma atividade. Outra é como secretária.

Fico achando que posso criar uma situação de dificuldade para as escolas, professores e famílias. Quem disse que a família está preparada para manter um ensino sistemático em casa? Elas também estão passando por muitas dificuldades.

Uns estão em home office, outros desempregados, outros buscando soluções. Se a escola dificulta a vida dela, é problemática. A gente tinha que fazer o contrário. Ensinar de forma sistemática é o nosso papel, é da escola.

CONDIÇÕES PARA O ENSINO REMOTO

Não estou excluindo a ideia, mas estou apontando os cuidados que nós temos. Precisamos da certeza que vai dar certo. Fico tranquila para dar essa orientação, em termo de sistema municipal de ensino, quando a gente encontrar a medida certa do tipo de atividade pedagógica feita em casa; acessar todas as famílias com elas recebendo as orientações; e tiver clareza que as atividades propostas permitem que as famílias consigam desenvolver sem ser um problema a mais.

PEDAGOGIA

Criamos grupos de discussão para conversar com os professores as possibilidades de atividades a serem enviadas com orientação. Estamos estudando a possibilidade de se chegar com atividades pedagógicas que tenham o papel exato da relação família-escola.

Não é projeto de sistematização da escola, mas produção de conhecimento vinculado à ampliação de repertório cultural e análise das possibilidades de produção de conhecimento do que está acontecendo hoje, observando a realidade de cada família, e fazendo com que cada uma entenda o que está vivendo para construir um projeto de vida nessa condição.

Assim, as atividades não precisam ser uma videoconferência ou um texto para ser lido pelo pai. Mas os professores podem pedir para a criança ler um livro mais simples sozinho, assistir um programa recomendado pelo professor na TV aberta, ajudar na cozinha na elaboração de um alimento, analisar com a família o orçamento da casa, entender as dificuldade e ver o que ela pode ajudar, ajudar na arrumação da casa sempre tendo em vista algum raciocínio matemático, de enredo ou repertório cultural de conhecimento que a criança está adquirindo. Esse não é o processo de sistematização de conteúdos escolares, mas é estudo também.

CALENDÁRIO

Não sei se vamos entrar em 2021. Vai depender dos números de Belo Horizonte. Na melhor das hipóteses, se pudesse retornar em junho ou julho seria maravilhoso. Mas talvez tenhamos que fazer rodízio de alunos, como está acontecendo em outros países. Cada dia fica mais apreensivo, vendo que precisa encontrar saídas. Mas ainda estou otimista.

ANO PERDIDO

Penso o seguinte: não acho que vai ser um ano perdido se soubermos entender e interpretar o que está acontecendo. Sou uma pesquisadora da ciência, fui professora universitária durante muitos anos, diretora da faculdade de educação. Então, acredito na ciência. E ela é produzida com base nos dados da realidade.

O conteúdo escolar foi feito historicamente para que as crianças, adolescentes e adultos se espalhassem na ciência e que estivessem fundamentados nisso. Estamos vivendo um aprendizado de todos nós. Não acho que o currículo escolar prévio é mais importante do que o conhecimento gestado nas nossas casas. Temos que ter olhos para ele.

CONHECIMENTO DE CASA

Existe uma matemática para as familias verem o salário; uma química na cozinha; a gente lê a realidade como um livro. Temos coisas para fazer que é conhecimento a ser produzido. Penso que temos de reinventar a relação com matemática, o português, as artes, as atividades físicas. Sou otimista, mas temos que ser observadores da prática.

Pais e profissionais da educação devem permitir que as crianças vivenciem mais o cotidiano, que falem o que estão sentindo. Temos, mais do que nunca, que ouvir as crianças. Conversar e entender o que estamos criando. Esse aí é o maior conhecimento da humanidade nesse momento. Não perco a esperança de ter um ano letivo de qualidade se a gente der a chance das pessoas de viverem plenamente esse momento de produção de novos conhecimentos e reinventando a vida.

CHUVAS

As chuvas foram muito pesadas aqui. Tivemos muitas escolas que tiveram danos e precisamos distribuir os alunos para que façamos os reparos. Três foram completamente destruídas. Outras parcialmente interditadas. Enquanto as aulas não voltam, estamos fazendo obras. Em muitas escolas estamos transformando os espaços. São intervenções pequenas, em que os trabalhadores ficam sozinhos ou em duplas, no máximo.

ESCOLA SEM PARTIDO

Belo Horizonte foi a primeira capital que teve a aprovação da lei em primeiro turno, mas não teve em segundo. Então, não passou a valer. A decisão do STF (de declarar inconstitucional a lei que veta discussão de gênero em escolas, um dos pontos do Escola Sem Partido) lavou a minha alma. Esse projeto é abominável. Completamente equivocado e abominável. Vai contra todo o direcionamento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

É um projeto que desqualifica o professor. E qualquer projeto assim eu sou contra. A escola e a educação têm o professor como profissional que leva adiante essa árdua e imprescindível tarefa da escolarização. eu fiquei com a minha alma lavada com esse resultado do STF. Esse projeto é construído de uma inverdade. Quando a gente fala de ideologia de genero… isso não existe. É inverdade. Quando se constrói um projeto em cima de uma fake é abominável por natureza. Ele inteirinho é uma mentira.

Fonte: Época